domingo, 24 de fevereiro de 2013

"O Brasil tem incontestavelmente direito a um teatro nacional"



COMMERCIO (edição da tarde) – 02/10/1912
O THEATRO NACIONAL
A inauguração da temporada – “Quem não perdoa” de D. Julia Lopes de Almeida

Não nos enganamos ontem, quando dissemos que a inauguração da presente temporada de teatro brasileiro significava um simpático acontecimento na história da nossa arte cênica.
O fato de se haver enchido por completo o Municipal, já atesta por si só que temos um público capaz de auxiliar eficazmente o desenvolvimento do nosso teatro. E é este, quiçá, o pivot da questão. Porque, sem público, desapareceria o estímulo necessário tanto aos autores como aos interpretes, que tomam a si o levantamento do nosso palco.
Mas, cremos já fora de qualquer dúvida, que o Rio de Janeiro possui um público apto para significar um termo de suma importância na evolução do teatro.
Há público nacional para as pochades e burletas, não raras vezes escritas mesmo sem aquilo que as devia caracterizar por excelência: a graça leve, o humorismo dos sous-entendus, o chocante das situações imprevistas, a chocarrice da linguagem, etc. Não obstante, os teatrinhos em que essas produções de última hora e de calculado efeito são representadas, enchem-se todas as noites.
Há público nacional ainda para as grandes companhias estrangeiras que, de ano a ano, nos visitam, trazendo-nos banhos salutares de verdadeira arte, com tudo o que ela tem de assombroso e magnífico.
Quando essas companhias fazem temporada entre nós, o Municipal, em via de regra, está cheio. Snobismo? Discernimento artístico? Uma e outra coisa, apesar de o segundo caso, supomos levar superioridade numérica sobre a futilidade do primeiro.
Se o público do Rio de Janeiro frequenta com assiduidade essas duas espécies tão diferentes de teatro, por que motivo não havia de concorrer ao teatro que procura ser a sua própria representação, sendo a representação da sociedade em que vivemos? É preciso que acabemos, de vez, com o pessimismo que nos é peculiar em se tratando de coisas nossas. O Brasil, onde a literatura floresce com um viço excepcional nos países novos de aquem-Atlântico, tem incontestavelmente direito a um teatro nacional. Não queremos afirmar – longe de nós tal ideia – que este teatro já existe realmente. Mas o que não se pode negar é que as nossas condições atuais para a formação desse teatro, são ótimas. A obra está magnificamente iniciada. Cumpre agora levá-la a cabo.
Estão empenhados no levantamento do nosso teatro grandes capacidades de trabalho e belas energias servidas por sólidas vontades. O Sr. Coelho Netto, na direção da Escola Dramática, tem sido incansável. E um resultado plenamente satisfatório já se vai fazendo notar desde que tomou a si a difícil tarefa de ser o mentor-chefe dos nossos futuros atores.
O Sr. Eduardo Victorino, na professura prática da Escola, não tem também, por sua vez, poupado esforços. E o mesmo deve ser dito de todo o corpo docente da Escola, na qual se salientam vantajosamente a ilustração e a competência dos Srs. Alberto de Oliveira e João Ribeiro.
Os nossos escritores teatrais, esses não esmorecem. E a prova está na presente temporada em que serão levados à cena seis originais brasileiros.
O de ontem, Quem não Perdoa..., de D. Julia Lopes de Almeida, é um estudo social conduzido com regular facilidade. Há cenas que atestam as belas qualidades de dramatista que distinguem a ilustre escritora. Outras há, entretanto, em que a ação se arrasta com grande dificuldade, já por excesso de convencionalismo de técnica, já por defeitos da própria técnica na condução dos diálogos, que são, por vezes, excessivamente longos e destituídos de naturalidade.
É este o caso, por exemplo, na cena do primeiro ato, em que a simpática mãe de Ilda, concedendo a mão de sua filha, ao pretendente que ela até então nunca havia visto, conta ao jovem, que está visivelmente contrafeito, todo um infindável rosário de aflições e tristezas íntimas. É bem o que se poderia chamar o despudor da desgraça.
Mas, tirando uma resultante geral da impressão causada pela peça de D. Julia Lopes, cremos poder afirmar que a estreia da temporada oficial de 1912 foi a mais auspiciosa possível.
Oxalá continue o público a interessar-se pelo êxito da temporada, enchendo, como ontem, o Municipal, e aplaudindo fortemente, como merecem pelos seus honestos esforços, os nossos autores e os seus interpretes.
                                                                                                                                                                            C.C. 

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