sábado, 22 de junho de 2013

A propósito ainda da peça de Julia Lopes





CORREIO DA MANHÃ – 3/10/1912
A propósito ainda da peça de Julia Lopes
Sobra a nossa crônica de ontem, a propósito da premiére, no teatro Municipal, do drama em três atos Quem não perdoa, recebemos de sua distinta autora, a exma. sra. d. Julia Lopes de Almeida, a seguinte carta, que publicamos integralmente:
“Sr. crítico teatral do Correio da Manhã.
Rogo-lhe, como maior obséquio, o favor de entender-se com o Sr. Eduardo Victorino, a quem pedirei que lhe confie o original da minha peça, ontem levada à cena no Municipal, para que v. ex., com mais vagar e atenção, que espero merecer-lhe, verifique a inexatidão da sua crítica de hoje nos seguintes pontos: no diálogo do 2º ato, em que v.ex. diz que “D. Elvira aconselha a filha que se algum dia tiver um amante nunca deixe chegar ao conhecimento do marido”, quando o que a mãe aconselha é que, se a filha tiver algum dia amor por outro homem, esconda tão bem esse sentimento de toda gente que nem mesmo a pessoa que o inspirou possa suspeitar de sua existência. Logo adiante afirma v.ex. que o engenheiro é enganado por Manoel Ramires; ora, tal não se dá, visto que Ilda e Manoel não são amantes. Logo após afirma v.ex. que Ramires foge covardemente ante a súbita aparição de Gustavo. Também não é exato. Ramires sai sem ter visto Gustavo.
Nenhum dos três tipos de mulher da minha peça é repelente, como assegura v.ex., nem a viúva tem um passado duvidoso, 1ª afirmação; nem a filha tem amante, 2ª afirmação; nem a tia tampouco o teve jamais, 3ª afirmação.
Quanto à aparição do Acaso na minha peça, afirma v.ex. que é devido a ele que os fâmulos se retiram, etc, quando a situação é preparada por Ilda, à vista dos espectadores, pedindo à mãe que saia a compras e mandando recados pelos criados.
Suponho que v.ex. tenha escrito de boa fé o seu artigo de crítica, espero que, com a leitura da peça, ou outra audição, caso isso lhe seja menos penoso, retifique no seu jornal as inexatidões que aqui deixo apontadas. Como claramente verá, retificados esses enganos, a peça nada tem de deprimente para a mulher brasileira que, por todos os modos tenho sempre procurado honrar. – De v.ex. patrícia muito atenta – Julia Lopes de Almeida.
Desvanecidos pela distinção com que a festejada escritora nos brindou, vamos corresponder ao seu apelo, antes mesmo de manusear o original da peça.
Quanto aos tipos, por nós capitulados de “repelentes”, sobre os quais a distinta escritora procura lançar o véu da misericórdia, seja-nos lícito ponderar que, no 2º ato, no diálogo entre mãe e filha, admito o nosso engano, pela única audição a que assistimos, trocando “esse homem”, pelo “marido”, como verificamos na segunda representação da peça, o caso não muda de figura, porquanto, uma mãe honesta não formula a hipótese de que a sua filha, casada, embora não desfrutando completa felicidade doméstica, possa ter algum dia amor por outro homem que não o marido. A honradez da mulher que sofre restrições não é mais honradez, é desbrio que se apodera da consciência e conduz ao vitupério, infalivelmente.
Mulher casada que pretende conservar a pureza de alma não se expõe ao perigo de criar afeições extraconjugais, e uma mãe que deixa entrever semelhante possibilidade, transforma-se em corruptora da filha. Involuntária, mas em todo o caso, corruptora. Tal tipo de mulher a doutrinar sobre paixões incubadas, lá do tablado do palco, na nossa humilde opinião, torna-se repulsiva, simplesmente.
A respeito do isolamento proposital de Hilda, para conversar à vontade com Ramirez, a dramaturga nos afirma que a entrevista não fora casual, mas sim premeditada, porque a esposa do engenheiro convidou o jovem a ir a sua casa.
Desfaça-se, embora, o lance tal qual nós o entendemos, a inverosimilhança da situação permanece inalterada.
Hilda, conseguindo afastar todas as pessoas da casa, de que modo se livraria da presença do marido também, se, em auxílio desse plano não viesse, minutos antes, o Faust para levá-lo ao telégrafo?
Contava Hilda com a ausência do esposo, quando Ramirez chegasse? Não contava. Como então ela convidou o apaixonado para uma entrevista de despedida, desde que não tinha certeza do afastamento de seu marido?
Eis a incoerência da cena, quer fosse a entrevista proposital, quer casual.
Tipo repelente, esse de Hilda, que, sem uma razão plausível, de honesta, que fora, pura, educada aos sãos preceitos da moralidade e do amor da família, surge inesperadamente uma leviana, que esquece os deveres de esposa, escreve ao apaixonado (apaixonado bisonho e renitente às expressões amorosas da jovem), fecha-se a sós com ele, e afinal o aperta em fogoso amplexo. O homem a quem nunca devera ela dirigir o mais insignificante olhar de ternura...
E mulher de tal feitio, que há de inspirar senão repulsa?
A dona Angela, senhora casada, de língua solta e cabelos brancos, que discute com o aposentado ganimedes, amores já há muito fanados, será também tipo de inspirar simpatia?
E dizer que estas três criaturas femininas, foram ideadas para simbolizarem o caráter da mulher brasileira. Isso é o que no-las faz mais repugnantes...


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