sexta-feira, 7 de junho de 2013



NOTÍCIA – 2/10/1912

A ESTAÇÃO TEATRAL

A peça de D. Julia Lopes

Com uma excelente casa, uma linda plateia inaugurou-se ontem no Teatro Municipal a temporada oficial deste ano, com a estreia da companhia dramática, organizada pelo Sr. Eduardo Victorino.
Representou-se a peça em três atos de D. Julia Lopes de Almeida Quem não perdoa.
- Que vem a ser a peça?...
A peça é isto: Uma senhora viúva vive com sua filha e fica na contingência de ir vendendo os móveis.
Um dia, após a mãe ter negociado com o belchior Beirão a mobília e o piano, entra a filha um tanto alvoroçada, participando à mãe que tem alguma coisa a dizer-lhe.
Ilda diz a sua mãe que dentro em poucos minutos um moço virá pedi-la em casamento. Admiração de D. Elvira. Ilda conhecera-o em casa de umas alunas suas. E amara-o.
O Dr. Gustavo Ribas é recebido por D. Elvira, que lhe conta logo a vida e todas as dificuldades do seu lar, aconselhando-o a pensar bem, a refletir muito. Gustavo sai e Ilda que, naturalmente estava à espreita, entra e cai nos braços da mãe.
No segundo ato, em casa de Ilda, há doze anos casada com Gustavo, sua mãe consegue dela o juramento de que se ela chegar a amar outro homem, que não o seu marido, se sacrificará, mantendo pura a sua união com Gustavo. E conta que ela se havia também sacrificado. Vão chegando visitas – um casal, tios do marido de Ilda; um amigo da casa, o Sr. Fausto; um empregado de Gustavo... Sabe-se então que o marido de Ilda tem uma amante, a mulher do capitão Elias. As visitas saem, saem assim como D. Elvira, que vai fazer umas compras.
Ao retirar-se Ilda para o interior, Fausto, que ficara, conta a Gustavo que lhe disseram estar o Dr. Ramires, apaixonado por sua mulher. Gustavo pensa logo que sua mulher tem um amante.
Mal eles saem, Ilda despacha os criados em serviços demorados. É a hora da entrevista, a primeira e a única. Ramires chega. Declarações de amor. Ela já sabe que ele vai partir. Mandou chamá-lo para a despedida.
No momento de trocarem o beijo, chega o marido. Desvairado mata a mulher. Corre em procura de Ramires, que saíra, por uma outra porta, porque a casa tem duas entradas. Nisso a mãe de Ilda chega da cidade. Entra despreocupadamente. A filha já estava morta.
No dia do júri de Gustavo – é o terceiro ato – os tios, em casa dele, preparam a recepção. Certo, virá alguém. Chegam umas vizinhas, alguns amigos e por fim, Gustavo com o advogado e íntimos. Há música, canto, discursos, champagne. Gustavo sente-se aborrecido. Os visitantes saem. E ele fica só. Nesse momento, chega a mãe de Ilda. Atira-lhe ao rosto todas as dores que sente e, como mãe, é “quem não perdoa”: mata-o.
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A peça de D. Julia Lopes é um caso de observação da nossa sociedade burguesa. Há apenas, durante os três atos assassinatos demais... No primeiro ato, de exposição, não deixou de parecer estranho que uma menina, morando com a mamã, tenha um noivo e que esta só no dia do pedido oficial venha a ouvir pela primeira vez o nome do seu futuro genro. Não parece igualmente bem observado o rosário de coisas tristes com que a mamã abre todas as suas intimidades a um homem que vê pela primeira vez. No 2º ato há uma série de coincidências estranhas, sendo talvez a maior delas aquela entrevista, na própria casa da mulher casada que a marca, aquele rápido assassinato a faca, aquela morte rápida, sem um grito – pois que de faca não se morre assim tão calmamente, como ontem, tranquilamente morreu D. Lucilia Peres... Depois, o grito e tombo da mamã, antes de se certificar de que a filha está morta, parecem precipitados. Mas tudo isso talvez seja simples questão de rubrica.
A peça, que é bastante impressionante, ás vezes, tem de vez em quando essas pequeninas “descaídas” que fazem com que o espectador não a ache de todo natural.
D. Julia Lopes possuidora de um empolgante talento dramático, como o demonstrou cabalmente em todos os três finais de atos, não deixa de mostrar na sua peça uma certa inexperiência na “carpintaria” teatral, o que faz com que a peça “Quem não perdoa” falta de vez em quando uma determinada naturalidade. A entrada por exemplo daquele Fausto, no 2º ato, sem propósito nenhum, só para avisar o marido do que se anda a dizer da virtude da sua mulher, e a aconselhá-lo para que mande a mulher para uma fazenda, parece um enxerto bem pouco natural.
O 3º ato é um tanto episódico, para dar lugar à grande cena final, o 2º assassinato, em que a sogra apunhala o genro.
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- E o desempenho?...
Maria Falcão, Ferreira de Souza, Luiza de Oliveira, bem. D. Lucilia Peres não soube morrer. Ramos foi ás vezes de um ímpeto exagerado e que com certeza não está na rubrica da peça. João Barbosa, que não tinha papel, tinha em compensação uma gravata horrenda. A Sra. Corina Fróes, no 1º ato, deu o seu recado um tanto às pressas. O ator Octavio Rangel foi bem. Os outros, assim. É de louvar entretanto o esforço do Sr. Eduardo Victorino, competente e enérgico que em poucos dias pôde mostrar aos descrentes que nós podemos ter Teatro no dia em que houver um pouco de boa vontade.
A peça está muito decentemente montada. Os cenários de Jayme Silva, Lazary e Joaquim dos Santos mostram bem que neste capítulo nós nada temos a invejar o que vem de fora.
Nos finais de ato, a sala que estava repleta fez extraordinárias ovações à autora e aos artistas.


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