sexta-feira, 5 de julho de 2013

..."a apologia do adultério"

ÉPOCA – 3/10/1912

Primeiras
Teatro Municipal – Quem não perdoaPeça em 3 atos, de D. Julia Lopes de Almeida, pela Companhia Nacional Eduardo Victorino.
A peça de D. Julia Lopes, sobre cujo tema ontem nos referimos, resume-se no seguinte:
D. Elvira, uma senhora viúva, criara com dedicação imensa sua única filha Ilda.
Vivendo pobremente, a desvelada mãe tudo sacrificava para que nada faltasse a Ilda, que depois de moça apaixona-se por um jovem engenheiro, Gustavo, com quem se casa.
Uma vez casada, cercada de todo o conforto, sente na alma os primeiros sintomas de uma afeição nova, dedicando-se a um amigo da casa, Manoel Ramires.
Ama-o mesmo e, ao invés de receber de sua mãe, a quem tudo confessa, a condenação formal do seu tresloucado amor, esta pelo contrário, incita-lhe a prosseguir, observando-lhe tão somente que tudo faça por esconder de seu marido a sua nova paixão.
Gustavo, sabedor por Fausto, da infidelidade da esposa, exaspera-se e, gênio irascível, violento, zeloso da sua honra prestes a macular-se, possuído de justa cólera, apunhala a esposa na ocasião em que esta, nos braços de Ramires, confessava-lhe entre beijos e carícias a imensidade do seu amor. Cometido o crime, é Gustavo preso e processado. A justiça absolve-o unanimemente. E quando em sua casa o desditoso marido lamenta a sua sorte, após os risos de uma imprópria festa com que o recebem, aparece D. Elvira, que, pilhando-o só, o injuria e, presa de terrível vingança, (para nós simplesmente condenável) apunhala-o, sem que esse homem tão irascível, impulsivo e ludibriado, faça em seu favor o menor gesto de defesa.
Não compreendemos francamente, onde a impunidade punida.
A distinta autora da Quem não perdoa revolta-se contra a absolvição do uxoricida, verberando a sociedade que aplaude a sua liberdade. Entende que esse homem deve ser punido, porquanto lhe não cabia o direito de matar. E qual o modo por que supre a falta judiciária? Mata-o também, isto é, pune um crime com a prática de um outro crime. Como justificativa no caso, apresenta a dor da mãe desvelada que considera superior a do marido ultrajado.
É esta mãe que perde o seu filho pelo crime de ter com sangue lavado a nódoa de sua honra? Tinha o direito de matar também. E era então um nunca acabar de punir a impunidade matando.
Demais, qual a maior dor, a de mãe, por mais desvelada que seja, que vê morta a filha adúltera, ou a do marido a quem a esposa enxovalhou a honra? E se o remédio da punição está no crime, como considerar criminoso o marido que puniu matando?
A distinta autora de Quem não perdoa, no empenho de justificar o desfecho da sua peça, tenta preparar o espírito da assistência em seu favor, desde o 1º ato, pondo em evidência o grande amor de D. Elvira por sua filha Ilda, como se isso servisse de justificativa ao ato de punir matando. E essa filha que assim procedeu, é perfeitamente um caso de hereditariedade psicológica, porquanto já sua mãe, em moça, com um ano apenas de casada, tentara macular a honra de seu velho pai e isso chegaria a fazer se para longe se não afastasse aquele a quem amava ilicitamente.
E isto mesmo é dito a Ilda por sua própria mãe, quando a tresloucada pensa em dedicar-se a outrem. É, repetimos o franco assentimento, com a agravante do terrível conselho: - que tudo faça por ocultar a seu marido, o criminoso amor que começa a despontar-lhe na alma.
Ilda era boa, meiga, custou muitos sacrifícios a sua mãe – toda aquela longa e fatigante história de sua infância contada no 1º ato – mas, mudou depois, e tudo isso desfaleceu em face da esposa criminosa que se tornou.
E desde que assim não seja, façamos logo a apologia do adultério.

Para o marido libertino, há o remédio da lei – o divórcio. Mas, punir o uxoricida matando-o, matar o homem que assassinou a esposa infiel nos braços do amante, sobrepondo desse modo a dor da mãe à dor do desonrado, é simplesmente intolerável e absurdo.

A autora, troçando o adultério, ridicularizando na figura do Capitão Elias, um infeliz marido, protege a adúltera para repelir o desonrado. Esse tipo de homem impotente para reagir é ridicularizado. Mas, se matasse a mulher, devia ser morto. E só aí então haveria uma impunidade a punir.
É, não há dúvida nenhuma, deveras singularíssima, a maneira pela qual a autora da Quem não perdoa resolveu punir a impunidade.
E o que se aproveita daqueles três atos enfadonhos, de cenas longas, onde existe contudo um pouquinho de técnica teatral, aliada alguma intensidade dramática, ás vezes um tanto exagerada? Pouca coisa. Aquele amor imenso de uma desventurada mãe por sua filha, a quem tudo desculpava e a quem vingou num ato de desespero. Era preciso punir de qualquer forma. Matar. Duas mortes em cena. E por isso Quem não perdoa descamba para os antigos dramas que a moderna escola não tolera.
Quanto ao título da peça, se bem que o terceiro, assim nos parece, achamos impróprio.
E não se agaste conosco a escritora brilhante, a quem tanto admiramos. É árdua a nossa tarefa. Mas o que fazer se aqui somos tão somente a crítica em face do autor?
Reconhecemos o grande mérito e talento da autora consagrada. Mas com franqueza o dizemos que Quem não perdoa não correspondeu em absoluto à nossa expectativa.
Quanto ao desempenho foi bom. E pelos motivos que já aqui expusemos, não nos era lícito pedir mais.
Do papel de D. Elvira, encarregou-se a Sra. Maria Falcão, que foi a alma da peça. Conduziu-se bem, com muita observação, merecendo francos elogios pela cena do 3º ato.
A Sra. Lucilia Peres foi a artista de sempre. Conscienciosa, comedida; deu ao papel de Ilda um louvável desempenho. A Sra. Luiza de Oliveira, que jogou bem a cena da comédia do 2º ato, na interpretação de Angela, foi esplendida de naturalidade e bem se conduziu no seu pequeno papel de Sophia a Sra. Corina Fróes.
Destaquemos ainda os Srs. Antonio Ramos, Ferreira de Souza e João Barbosa. O primeiro pareceu-nos a contragosto no papel de Gustavo; o segundo um ótimo Vieira e João Barbosa num pequenino papel, foi bem.
Os demais artistas, sem exceção, senhores dos seus papéis, concorreram para o bom desempenho da peça.
Cabem ainda os mais francos aplausos ao Sr. Eduardo Victorino, pela maneira correta com que montou e ensaiou a nova peça.
Os cenários de Jayme Silva, Lazary e Joaquim Ramos, bons.
- E desse modo correu a inauguração da temporada do Municipal totalmente repleto de um fino público que fez à distinta escritora D. Julia Lopes as mais entusiásticas ovações.

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