domingo, 14 de julho de 2013

Observações sobre o tema da peça

FOLHA DO DIA – s/d
“Quem não perdoa”, Três atos, de D. Julia Lopes de Almeida

D. Julia Lopes de Almeida, escritora brasileira cujo nome não é estranho a quem se interessa pelas letras nacionais, foi buscar a “ideia” de sua peça “Quem não perdoa”, em um assunto que se desprende das variadas doutrinas sociais hoje em luta – a conservadora e a socialista.
Trata-se como deixamos dito ontem, de um crime admitido como a reabilitação da honra de um marido ultrajado, traído por uma esposa “desonesta”, que, parecendo valer-se de um direito adquirido pelo constante exemplo de “desafrontas a punhal”, mata a mulher “adúltera”, para depois receber a vingança desse assassínio virtuoso, da mão armada de uma “mãe” pesarosa, única, no meio de uma sociedade que recebe o marido reabilitado de braços abertos, que não concordara com o processo de “lavagens de honra”, com o sangue de seu sangue.
Fosse a peça de D. Julia Lopes de composição harmônica, desenvolvendo-se a ação pelo desdobramento natural dos fatos, embora aliados a episódios subsidiários, tais como as cenas cômicas com as quais se entremeia o entrecho, sem afastá-lo do elo principal; fosse o seu drama de uma evolução natural, lógica, resultando das consequências das várias situações criadas pela gradação dos efeitos, o seu tema teria assoberbado todo o auditório de anteontem e D. Julia Lopes logrado para si, outros aplausos muito diferentes das palmas com que foi saudada na estreia da Companhia Brasileira.
Porque afinal é bem procedente o protesto da mulher que sente a injustiça de um Código Penal, quando julga a entidade privilegiada que é o homem, em “um crime que não é crime”, em um delito cujos agentes provocadores a razão desconhece, mas que uma sociedade pretensiosa aponta como fruto de um sentimento de vindita, contra um ultraje à honra individual e à honestidade de uma família.
Porque não lhe assiste, a ela, mulher humana como o marido, o privilégio de meter uma bala na cabeça desse mesmo “Gustavo”, aliás como muitos Albertos e Andrés que por aí andam, porque teve também o seu amor próprio ferido, quando se disse em sua casa, e naturalmente já devia ter intimamente ciência do fato que ele a traíra, desfrutando, com a aprovação dos amigos, essa mulher leviana do Capitão Elias? Então é diferente a honestidade do marido, e são distintas a honra de um e de outra?
Infelizmente D. Julia Lopes , não soube fazer girar a sua peça em torno de uma situação dramática mais favorável, como por exemplo, o “Amor proibido”, e preferiu criar, em um meio onde se preconizava o sacrifício pela honra, pela tranquilidade do lar, até o ponto de alijar-se uma felicidade, que estava latente, um amor apaixonado de “D. Elvira” por um diplomata que não faz conhecimento com a plateia, dois tipos antipáticos de traidores, um no marido, o outro na mulher.
Para poder “desencadear” a sua peça, D. Julia Lopes, mata pela mão do marido, em plena cena, coisa já um tanto anacrônica no moderno teatro, essa “pobre” Ilda, que vivia em um ambiente de conforto e de riqueza, mas que “obedecera” aos seus “instintos hereditários”. E, não satisfeita com essa passagem trágica, que é extemporânea, descabida, inconsequente, não obedecendo à ligação íntima que têm todas as partes da ação dramática, ainda no fim do “drama” faz cair atravessado pelo ferro vingativo da mãe desditosa, esse marido retemperado pela absolvição “unânime” do júri, que, momentos antes, era recebido festivamente diante do retrato da infeliz adúltera, com risos e discursos.
Essas mortes assim inesperadas, que não parecem o desenlace produzido pela natural gradação do desdobramento da ação dramática, antes lembram um acidente fortuito para pretextarem a descida do pano, quando ainda o desencadeamento não atingiu o seu cúmulo, produzem, como é evidente, efeito diverso daquele almejado pelo autor tal como sucedeu no assassinato casual ou propositado, levado a efeito no final da peça do Sr. Guanabarino, “Ave Maria”, que o público recebeu como um desastre para por termo a peça.
Esses grandes senões, assinalados em dramas feitos por dramaturgos sem experiência, como também o diálogo em separado, deslocando completamente o terceiro personagem, que se exemplifica também na peça de D. Julia Lopes, fazem com que o interesse do público se afaste da ação principal do drama, distraindo-se com fatos que o autor introduz na peça, como subsídio à ação principal, mas que desenvolvem, em demasia, o entrecho essencial que precisa prevalecer.
Foi a impressão que nos deixou o original de D. Julia Lopes, aliás, perfeito e concatenado em alguns trechos, onde ela colocou personagens dramáticos de muita observação, que, apesar de complexos, foram bem compreendidos pelos artistas da Companhia Brasileira que se estreou no Teatro Municipal.
Sem dúvida, fossem esses caracteres dramáticos introduzidos em peça que não sofresse as dificuldades de individualização, em um drama por exemplo, real, simples, menos prolixo e mais verdadeiro, e D. Julia Lopes teria triunfado plenamente, isso porque tem o auxílio de um talento brilhante que a coloca privilegiadamente no nosso meio intelectual.

A.FONTE

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