JORNAL BRAZIL –
6/10/1912
O TEATRO
NACIONAL
Desde a passada terça-feira está posto n’água e
flutua o barco, o complicado, difícil, o perigoso barco da segunda tentativa de
ressurgimento do Teatro Nacional, auxiliada pelos poderes públicos.
Foi e vai sendo singularíssima, originalíssima, bem
digna desta terra de raridades, de excentricidades, toda a história da
organização e do início de realização dessa tentativa.
Analisemo-la rapidamente.
Depois do fracasso da concessão do Teatro Municipal
ao empresário Guilherme Da Rosa – fracasso inevitável, mais que esperado por
quantos não tivessem nos olhos aquelas peneiras que chegam a tapar o sol –
amortecera na imprensa e mesmo nas rodas teatrais, a campanha em prol do
renascimento teatral.
O teatro por sessões dera emprego a todos os nossos
atores, pusera em atividade todos os artistas e alguns autores, dava imenso que
fazer à crítica dos jornais, de sorte que não viam uns vantagem em pensar, não
tinham outros tempos para cuidar nessa coisa de teatro normal, de arte
dramática nacional.
A pevide da galinha achara remédio, se não cura,
nos espetáculos seccionados, muito bem aceitos pelo público e, daí, satisfeita
ia vivendo a galinha com a sua pevide.
Se não quando, a Prefeitura, num gesto largo e
inesperado propõe-se a dar 70:000$ para organização de uma companhia dramática
nacional que em dois meses deverá representar cinco peças escolhidas pela
Academia de Letras para o repertório do 2º ano do contrato Da Rosa.
Propõe-se a dar os 70:000$000 e dá-os, sem
concorrência pública, sem formalidade alguma das de praxe para dádivas tais por
parte dos poderes públicos, a quem bem lhe parece e foi, no caso, Eduardo
Victorino.
Ninguém protesta, ninguém se opõe, todos concordam
e todos aplaudem – o que é de pasmar na capital do “Não pode!”...
E é de pasmar, não porque não saibam todos quanto
vale e merece Eduardo Victorino, quando há a esperar do seu critério, do seu
esforço e da sua competência, mas porque a maneira, o processo pelo qual foi
ele escolhido para o encargo – mais penoso do que lucrativo, digamo-lo já –
tinha muito e muito por onde ser atacado.
A conclusão a tirar dessa atitude silenciosa,
deferente e até farta de aplausos da Crítica e da Imprensa é que a tentativa
Victorino era a mais simpática possível, digna de todo o auxílio, de todo o
incitamento, de toda a ajuda.
De fato assim a vemos. Nos jornais há colunas e
colunas de “interviews” sobre o caso, linhas e linhas de reclame à companhia,
aos autores que serão representados, aos artistas que hão de representar, não
já as cinco peças escolhidas pela Academia, mas algumas dessas e mais outras
aceitas sem concurso, sem concorrência e mesmo antes de escrita.
Soma tudo que caminham as coisas pelo melhor, no
melhor dos mundos.
E chega o dia da estreia. Teatro cheio, cheiíssimo,
com um lindo aspecto de acontecimento social que interessa a toda a gente,
inclusive àqueles que só por magnos sucessos costumam mostrar interesse: os
“snobs”, os requintados, os “nariz-torcido”, os “nada-lhe-cheira”.
A peça é de escritora nacional que em vinte volumes
dos mais lidos no nosso país, e em vinte anos de cronista nos grandes diários,
nas grandes revistas conquistou um grande nome de “conteur”, de romancista, de
escritor.
Corre o “velarium” e representa-se a peça. Há um
primeiro ato que promete; um segundo cujo final empolga todo o público – os
“snobs” e os “não-me-cheira” incluídos; há um terceiro que acaba com toda a
gente na sala, sem aquela tão indígena pressa de sair a correr para apanhar o
sobretudo e o bonde mal se percebe que a intriga está desmanchada e o pano vai
fechar o drama.
As ovações nos finais desses dois atos são
formidáveis. A autora vem à cena e homens e senhoras de pé aplaudem, aclamam,
vitoriam.
Sai então o espectador ingênuo que não crê senão no
que vê e lê, convencido de que assistiu a um legítimo sucesso, a um belo
triunfo.
No dia seguinte, porém, toma os jornais e fica
apatetado com o que encontra nas críticas teatrais.
É assombroso, é pasmoso, é piramidal!...
Aquela solidariedade, aquela unanimidade de
louvores à tentativa de ressurgimento teatral, desapareceu.
A peça é por alguns críticos arrastada pelas ruas
da amargura, não só pelo que contém, como pelo que não contém.
Pelo que não contém, sim, pelo que não contém, pois
não faltou quem dissesse haver nela uma mãe que aconselha o adultério à filha,
com a condição de o realizar esta sem deixar perceber ao marido – ou venha a
ser exatamente o oposto do que diz a “D. Elvira”.
Mas nem só aí são deturpados por algumas críticas a
intenção e os dizeres e o proceder dos personagens.
A essa mesma figura de mãe, de mãe honesta,
inflexível, implacável, houve quem afirmasse ter ouvido a comprido a confissão
de um grande erro de uma desonestidade do seu passado, confissão essa feita à
filha para a incitar ao adultério!...
Noutras críticas o ataque é ao desempenho, noutras a má escolha das peças e ao cabo de as ler a todas o que se impõe ao leitor de
boa fé é perguntar a si mesmo:
- “Mas é esta, em verdade, aquela tentativa de
Teatro Nacional cuja organização, cujo preparo, cuja subvenção tão aplaudidas
foram pela Imprensa, quando tanto havia por onde a atacar?... Pois estas
críticas correspondem à peça, que tanto impressionou e comoveu a sala archi-cheia
do Municipal?... Pois esta autora que assim se ataca é aquela que eu vi chamada
ao palco duas vezes para receber aplausos unânimes, cerrados, sinceros de toda
a assistência de pé, entusiástica, carinhosa?”...
E o leitor ingênuo, mas não tolo, recapitulando o
que leu antes, o que viu durante e o que leu depois da estreia da Companhia
Dramática Nacional, há de chegar fatalmente a esta outra pergunta:
- “Afinal de contas, em tudo isto de quem devo eu
descrer: do teatro nacional ou da Crítica?”...
E pena é que faça a pergunta a si mesmo, porque se
me fizesse – e mais sou crítico também... à falta de um homem –
responder-lhe-ia francamente, sinceramente, tristemente:
Da Crítica, meu caro, da crítica!...
Baptista
Coelho
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