COMMERCIO – 06/10/1912
Folhetim do Jornal do Comércio
Dominicais
Mais uma
tentativa em prol do Teatro Nacional. Mais uma... Desta vez, porém, todos dizem
que, agora, sim; agora é que é a valer. E realmente, parece haver uma forte
razão para que assim aconteça. Este empreendimento tem por si a boa vontade de
todos os competentes. Tudo o que pode representar opinião, uma parcela de
opinião autorizada e capaz de mais ou menos se impor, está ao lado do Sr.
Eduardo Victorino, fazendo votos pelo triunfo completo dos seus esforços e das
suas aspirações. O Sr. Eduardo Victorino tornou-se aquele excepcional,
privilegiado empreendedor de quem ninguém diz mal. Os seus créditos seguramente
se firmaram ao longo de muitos anos de trabalho nos teatros não subvencionados;
as boas intenções que o animam, cada palavra sua e cada ato as provam, sem
deixar a menor dúvida. Não lhe falta a inteligência nem a competência; tem a
intuição e tem a prática. Na verdade, é o diretor ideal. E é um homem
extraordinariamente feliz, porque, com todas as qualidades e recursos para
vencer, por si, ainda encontra, por toda parte, simpatias que se lhe oferecem e
só vê em torno amizades espontâneas, desejosas de auxiliá-lo. Devemos
certamente notar que nem sempre esse favor, esse incondicional apoio constitui
o melhor elemento de êxito... No caso presente, porém, o merecimento
corresponde bem aos aplausos que o cercam; por isso, estes o não hão de
prejudicar e de nenhum modo o poderão tornar suspeito. De maneira que o Teatro
Nacional, que tão justificadamente podia confiar no valor do Sr. Eduardo
Victorino, pode hoje, graças a ele, contar com a dedicação de todos os que,
entendendo a arte, sinceramente a estimam.
Falta
apenas que os poderes públicos o tomem a sério, ao pobre Teatro Nacional. Por
enquanto, francamente, não parecem nada dispostos a isso. Quando a gente espera
que eles vão, enfim, tomar uma medida comprovativa do seu interesse pela arte
dramática brasileira, o que resulta é a prova de que é a única arte para eles
absolutamente indiferente. E os seus atos, neste assunto, chegam a afigurar-se
de pura caçoada. Intencionalmente ou sem intenção – isto é, com as mais puras
intenções – a prefeitura tem “debochado o caso”. No contrato Da Rosa, tão
guerreado e amaldiçoado, havia a subvenção de cento e vinte contos, sendo:
setenta para uma companhia lírica, trinta para uma companhia dramática
estrangeira e vinte para a companhia nacional. Por essa distribuição de verbas
se vê a noção que os poderes municipais da época tinham do assunto acerca do
qual deliberavam. Para a ópera, que a sociedade carioca positivamente adora e
pela qual vai até o sacrifício, setenta contos; para as companhias que,
trazendo o seu repertório feito e dando uma peça por noite, sempre ganham
dinheiro nesta cidade, trinta contos; para a companhia nacional, com todas as dificuldades
e responsabilidades que a sua formação comportava, e ainda o contrapeso da
Escola Dramática – vinte contos. Dir-se-ia que, se as verbas estavam
distribuídas, a empresa concessionária as poderia aplicar doutra maneira e tudo
no fim, daria certo... Perfeitamente; mas não fica, por isso, menos evidente a
falta de compreensão, por parte da Prefeitura, se não o seu propósito de
demonstrar pela questão de que principalmente devia cuidar, a maior indiferença
ou o maior desprezo!
Quanto ao
Sr. Eduardo Victorino, esse, desde o princípio, declarou que não queria saber
de Lírico, nem de qualquer outro gênero estrangeiro. Estava disposto a
trabalhar, a empregar os esforços e o tempo que fossem necessários, mas
exclusivamente pelo Teatro Nacional. Deu-se-lhe a subvenção de setenta contos e...
fizeram-se-lhe as melhores promessas. Em diversas “entrevistas”, o Sr. Eduardo
Victorino manifestou, honesta e lealmente, como as condições em que ia iniciar
o seu empreendimento lhe não sorriam se não como uma esperança em melhor e mais
garantido futuro. Esta primeira temporada não lhe podia deixar lucro material
nem favorecer grandemente a execução dos seus projetos. Havia mil obstáculos a
vencer, a começar pela constituição da companhia, pois que se não poderiam
contratar artistas capazes, para dois meses de espetáculos; depois as despesas
do teatro, esse Teatro Municipal, cujo funcionamento, apesar de, no caso,
parecer gratuito, se torna pavorosamente caro – só os porteiros custam mais de
cem mil réis por dia; depois ainda, as demonstrações que o grosso público tem
dado de não querer encaminhar-se para
aquela monumental e faustosa casa de espetáculos, cujos frequentadores,
sociedade de escol, não dão mais de uma boa receita a cada peça... Quanta
responsabilidade, quanta dificuldade... Enfim, o futuro recompensaria tudo.
E foi
nestas disposições – conforme as depreendemos das citadas reportagens – que o
Sr. Eduardo Victorino deitou mãos à obra. E o entusiasmo e a superior
orientação dos seus esforços indubitavelmente se patentearam no espetáculo da
estreia. Era aquele o melhor conjunto de artistas que se conseguiria hoje
organizar e via-se que todos davam o máximo que podiam dar; nunca se tinha
visto aqui, em companhia do gênero, nacional ou estrangeira, tal apuro e tal
propriedade de cenários, mobílias, acessórios; e – oh, maravilha! oh milagre! –
não se ouvia o ponto e nenhum ator apelava para ele, estalando aflitivamente os
dedos ou sapateando furiosamente, aos seus ouvidos... de mercador! Queriam mais
auspiciosa estreia? mais brilhante promessa? maiores direitos à proteção
generosa dos poderes competentes?
Pois bem:
justamente, na véspera de se manifestarem esses soberbos resultados, a
Prefeitura lavrava com uma empresa estrangeira um contrato de aluguel do
Municipal, por três anos, de abril a outubro e, ainda, pelos modos, deixando,
nos outros meses, o teatro sujeito aos preparativos daquela empresa! De maneira
que, nestes primeiros três anos, a companhia brasileira só poderá funcionar em
pleno verão e isso mesmo, dependerá... O ator João Barbosa lavrou, pela Gazeta, um protesto veemente, no qual
chega a perguntar como pode a Prefeitura dar a subvenção de setenta contos para
o início da fundação da arte dramática brasileira, a qual, logo depois, mostra
não ligar importância alguma. Realmente, o caso não tem explicação, ou tem
apenas esta: é brincadeira. Não sabemos que graça aos poderes municipais
acharão a tal brincadeira; mas talvez eles também não saibam. O fato é que
acham alguma, seja qual for; e então continuam.
Simplesmente,
a Prefeitura há de acabar, um dia, por se enfadar, ela própria, de tal
divertimento. As melhores pilheiras cansam; e forçoso se tornará, com maior ou
menor subvenção, no Municipal ou fora dele, tratar a sério da questão do teatro
brasileiro, em que há tantos se fala e pela qual tanta gente boa sinceramente
se interessa. Não há razão alguma para que o Teatro não goze dos favores
dispensados às outras artes. As chamadas Belas Artes tem um palácio magnífico,
caprichosa organização de ensino, prêmios aos melhores alunos, toda a sorte de
prestígios e regalias animadoras. Uma só circunstância justificaria o abandono
de Teatro: a falta, se fosse possível prová-la, de elementos capazes de o
honrar e engrandecer. Mas, se alguma coisa se evidencia, é o contrário disso. O
público que, na terça-feira enchia o Municipal e que se compunha, naturalmente,
das classes eminentes da sociedade, esse público fino, ilustrado, superiormente
educado, aplaudia a peça e os artistas, com verdadeiro entusiasmo; e pondo-se
de pé, quando a autora apareceu em cena, esse público julgou o talento de D.
Julia Lopes de Almeida, manifestando-lhe, da maneira mais solene e respeitosa,
a sua admiração. Se a peça não tivesse outras qualidades de técnica: a
necessária lógica das situações, o hábil preparo das cenas em que se joga, - a
excepcional intensidade dramática de certos episódios – a perfeição dos
diálogos lhe bastaria para a tornar um trabalho teatral digno de altíssimos
louvores. A personagem principal, essa mãe que se sacrifica até a última e tem
o sagrado orgulho do seu sacrifício; que aconselha, vigia, defende e a cada
passo mais se dedica; que não perdoa o mal feito a sua filha e finalmente mata
quem a matou – esse tipo de mãe, como ali se nos apresenta, é de uma grandeza,
de uma nobreza extraordinárias. E assim o público o compreendeu e assim o
consagrou.
Ora, com
peças destas e representadas como já o estão sendo pela companhia do Municipal
– que só poderá melhorar à medida que se for afirmando a perfeita conjugação e
harmonia dos seus elementos – quem duvidará do futuro do teatro brasileiro? e
quem não desejará que por ele se faça tanto quanto possível e o mais cedo
possível? Esta é a razão. Eis porque o teatro vingará. E desse resultado só
continuam, hoje em dia, a duvidar aqueles que, de teimosia cética superior à de
S. Tomé, nem depois de ver, acredita!
Por que
aquilo que o Sr. Eduardo Victorino nos mostrou, com a representação de
terça-feira, constitui já, inquestionavelmente, uma bela realidade.
JOÃO
LUSO
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