domingo, 12 de maio de 2013




GAZETA – 2/10/1912

TEATRO MUNICIPAL – Quem não perdoa – Peça em três atos – Julia Lopes de Almeida. TESE – A sociedade perdoa o assassino da adúltera; a mãe da vítima, porém, tem o direito de matar o assassino.
O Teatro Municipal estava cheio exatamente como quando se trata de uma estreia de artistas de fama mundial e faladores de língua estrangeira.
D. Julia Lopes de Almeida é um nome luminoso nos domínios da nossa literatura. A sua peça, a Herança, levada na Exposição de 1908 é, sem favor nenhum, uma das mais intensas e mais dramáticas de quantas possuímos.
Com a sua estreia no teatro, havia esperança de que D. Julia Lopes de Almeida, neste gênero de literatura permanecesse no plano alto a que atingira com a Herança.
Porém, Quem não perdoa veio provar que assim não aconteceu.
A técnica teatral tem, ás vezes, destas surpresas.
Não é de boa lógica tentar afirmar que um crime com outro se paga, ou lá porque a sabedoria popular, inspirada na doutrina da igreja, diz: “quem com ferro fere, com ferro será ferido”, deve-se admitir estas coisas humanas.
É bem verdade que a alma humana é como lei interpretada por chicanistas, que cada um lhe dá a intenção que lhe apraz.
No primeiro ato da Quem não perdoa, D. Julia apresenta seus personagens com habilidade.
As cenas arrastam-se vagarosamente, deixando patente a falta de segurança nas “conversas”, o que não acontece nos “diálogos”, que são mais vigorosos e mais longos.
Enfim, neste ato de apresentação os “caracteres” ficam bem definidos, o que não deixa de revelar uma aproveitável aptidão para o teatro.
A peça de D. Julia Lopes de Almeida não será tão absurda como a princípio se pôde julgar pela audácia da tese, se se levar em conta a meticulosidade com que ela apresenta a protagonista.
“Elvira” é uma mãe na mais expansiva brutalidade dos sentimentos maternais.
“Ilda” é uma criatura tarada, cuja morbidez só fez eclosão aos trinta anos. Filha de jogador, que, talvez, tivesse outros vícios mais, não teve a rigidez de caráter precisa para evitar o seu desequilíbrio.
“Elvira”, dominada somente pelo seu amor de mãe, por este egoísmo cego das mães, não raciocinava, não via, não procurou com a sua autoridade evitar as tendências da filha para o erro. Dominada somente pelo seu exagerado e inconveniente amor maternal, quando viu o seu genro fazer de um punhal o sabão da honra, não perdoou. Os homens o perdoaram, a sociedade o perdoa, com exceção de “Cardo”, e, enquanto todos assim procediam, “Elvira”, como o fantasma do remorso vivo, no dia da absolvição, penetra-lhe em casa e enterra-lhe o punhal vingador, pelo peito a dentro.
É um pouco de justiça de Fafe, mas, enfim, respeitamos a solução da autora.
Diz D. Julia Lopes de Almeida que a sua peça foi escrita em um curto espaço de tempo. Esta razão dá-lhe habeas-corpus, pois, assim não fossem tão notável escritora, não eram permitidos os primitivos processos de dramatização de que lanço mão. Hoje em dia, a não ser no gênero grand-guignol, não se usa matar em cena.
A técnica moderna não admite mesmo este uso. Aí está Bernstein que, com a sua genial violência da dramatização jamais emocionou a plateia com a morte em cena.
Afora estes pequenos descuidos, vazados da pena prática da autora, devemos fazer justiça à segurança com que foi observado o “meio” em que se passa a ação.
O desempenho não teve a segurança que era de esperar. Os artistas se ressentiram e amedrontaram um pouco da grande e escolhida plateia que os assistia.
Maria Falcão, apesar da dificuldade do seu papel, venceu muito bem todas as cenas; o mesmo não aconteceu com Lucilia Peres, que, evidentemente não emprestou ao seu papel todo o fulgor da sua vibratibilidade.
Antonio Ramos, com a orientação moderna do teatro, não é mais um galã. A sua maneira exageradamente italiana, é insuportável.
É pena que assim seja, porque Ramos tem talento e habilidade para ser um “natural” ator.
Luiza de Oliveira e Ferreira Souza se conduziram muito bem.
Os demais, nas “pontas”, em que entraram, estiveram senhores de seus papéis.
A mise-en-scene, perfeitamente de acordo.
Convém salientar que o advogado do rico “Gustavo Ribas”, se apresentou mal vestido, com um rábula, e a “Maquillagem” do “Cardoso” era detestável.
Quanto aos cenários, não se pode desejar mais.
Jayme Silva, Lazary e Joaquim Santos respectivamente, no 1º, 2º e 3º atos, apresentaram trabalhos perfeitos.


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