JORNAL BRAZIL – 24/9/1912
O TEATRO NACIONAL
A Companhia Dramática para o Municipal
“Interview” com o Sr. Eduardo Victorino
O contrato foi assinado ontem – O Diretor da Companhia – O repertório – O elenco – A subvenção – As obrigações – As probabilidades – Será desta vez.
Devia ser ontem assinado, entre a Prefeitura Municipal e o Sr. Eduardo Victorino o contrato para a formação de uma companhia dramática nacional, incumbida de representar cinco originais brasileiros, escolhidos pela Academia Brasileira de Letras, na vigência do contrato do Teatro Municipal com o Sr. Guilherme da Rosa.
O Sr. Eduardo Victorino é um nome largamente conhecido no mundo teatral.
Português de origem, vindo muito novo ao Brasil, toda a sua atividade, toda a sua vida tem estado sempre estreitamente ligadas ao Teatro.
Assim, começando por ser simples espectador, foi a seguir ator, tradutor, crítico teatral, autor-ensaiador, diretor de cena, empresário, proprietário de teatro, professor da Escola Dramática, sem contar que, pelo casamento, entrou para uma família de antigos artistas, tendo sido genro do falecido ator e empresário Dias Braga.
É, pois, ou, pelo menos tem obrigação de ser um conhecedor perfeito e seguro do terreno que vai pisar, a partir da assinatura do contrato, a que nos referimos, o Sr. Eduardo Victorino e então, pareceu-nos curioso e útil ouvi-lo.
Procuramo-lo e tivemos o ensejo de o avistar momentos de ir à Prefeitura.
O que nos disse o Sr. Eduardo Victorino
- Já sei o que me quer – dissemos... Trata-se da companhia para o Municipal...
- Exato... Assinou já o contrato?
- Não. Devo assiná-lo agora.
- Tem, porém, tudo preparado para entrar em campanha?
- Que entende o meu amigo por: “tudo” – perguntou-nos.
- Repertório, elenco, data de início dos ensaios, data de estreia...
- Vamos por partes – propos. Repertório não o escolhi. Forneceu-me a Prefeitura. São cinco originais brasileiros, perfazendo 15 atos.
- E o elenco?
- Sobre o elenco não posso dar-lhe ainda.
- Ora essa!... Dar-se-á que o não tenha ainda organizado?
- Tenho mesmo apalavrado mas, compreende, só hoje é que eu fico sendo oficialmente, efetivamente, o diretor da Companhia Dramática Nacional subvencionada pela Prefeitura. Já vê que não podia ter contratos feitos com artistas, estando as coisas ainda no ar... Tenho, pois, como disse, o meu elenco projetado e se for assinado o contrato daqui à uma hora ou duas, tratarei de contratar os que convidei já e mostraram-se dispostos a trabalhar comigo. Só depois das suas respostas definitivas, poderei dar-lhe os nomes de todos.
- Esperarei. Adiante. Pelo contrato com a Prefeitura terá o Sr. Victorino 70:000$ de subvenção...
- Tal qual. Acha muito?
- Nem muito, nem pouco. Não sei a que o obriga essa subvenção...
- Ah! eu lhe digo. Obriga-me a formar a companhia, montar as cinco peças e fazê-las representar em três meses e meio. Quer dizer que, com esses 70.000$ terei que pagar 3 ½ meses de ordenados aos artistas; fazer pintar cenários e não em papel, como exige o regulamento do Municipal...
- Exige?
- Sim, senhor exige. Pelo Regulamento do teatro não podem lá servir se não cenários em pano.
- Essa agora!...
- Admira-se?
- Admiro-me, porque a tournée Guitry – viu-o eu, com estes olhos que a terra há de comer – representou todas as suas peças com cenários de papel, alguns bem bons, por sinal.
- Pois eu tenho que os fazer pintar em pano. E, mais, esses cenários como as madeiras, ferragens, adereços de cena, mesmo móveis que sejam precisos e terei de adquirir com parcelas – e gordas parcelas, creia – da subvenção, ficarão pertencendo ao Teatro.
- Soma tudo?...
- Soma tudo que os 70.000$ devem ser absorvidos totalmente com as despesas das peças, e dos artistas, nos 3 ½ meses de contrato.
- O Sr. Victorino terá então para si a renda dos espetáculos...
- Sim, das quais terei que extrair os direitos de autor, as despesas gerais (porteiros, auxiliares, bilheteiros, lotações, anúncios, reclames, etc, etc.).
- Sendo assim é um empreendimento arriscado como negócio, esse em que se vai meter...
- Melhor se poderá dizer que não é um negócio. Nem como negócio poderá alguém tomar. É uma tentativa que os poderes municipais querem fazer em prol da arte dramática nacional. Dá esperanças de êxito?... Não dá?... Não sei. Quase todos descrêem dela...
- E o senhor?...
- Eu... Francamente, não sei...
- Que o leva, então, a tomar o encargo?
- O desejo de lutar, de ver se se faz algo, se se pode sair desta apatia, desta letargia em que estamos. Há um ensejo de tentar de agir, não é verdade? Não quero ficar inativo. Se fracassar o tentamos, restar-me-á o consolo de ter empenhado todos os meus esforços para que não fracassasse.
- E se triunfar – dissemos – terá ganho a glória de deixar ligado o seu nome a uma grande obra...
Sorriu. Depois, ajeitando a luneta rebrilhante, terminou:
- Meu caro, o que lhe posso garantir que hei de ganhar, num caso ou noutro, é uma porção de inimigos...
- Inimigos?...
- Sim. O meu amigo sabe bem que em tudo nesta vida é impossível contentar tout le monde et son père... Já vê...
Puxou o relógio... Estava na hora de ir à Prefeitura. Despediu-se e lá se foi, deixando-nos no espírito esta interrogação:
- Será desta vez?...
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