domingo, 29 de setembro de 2013

O TEATRO NACIONAL

JORNAL BRAZIL – 6/10/1912
O TEATRO NACIONAL

Desde a passada terça-feira está posto n’água e flutua o barco, o complicado, difícil, o perigoso barco da segunda tentativa de ressurgimento do Teatro Nacional, auxiliada pelos poderes públicos.
Foi e vai sendo singularíssima, originalíssima, bem digna desta terra de raridades, de excentricidades, toda a história da organização e do início de realização dessa tentativa.
Analisemo-la rapidamente.
Depois do fracasso da concessão do Teatro Municipal ao empresário Guilherme Da Rosa – fracasso inevitável, mais que esperado por quantos não tivessem nos olhos aquelas peneiras que chegam a tapar o sol – amortecera na imprensa e mesmo nas rodas teatrais, a campanha em prol do renascimento teatral.
O teatro por sessões dera emprego a todos os nossos atores, pusera em atividade todos os artistas e alguns autores, dava imenso que fazer à crítica dos jornais, de sorte que não viam uns vantagem em pensar, não tinham outros tempos para cuidar nessa coisa de teatro normal, de arte dramática nacional.
A pevide da galinha achara remédio, se não cura, nos espetáculos seccionados, muito bem aceitos pelo público e, daí, satisfeita ia vivendo a galinha com a sua pevide.
Se não quando, a Prefeitura, num gesto largo e inesperado propõe-se a dar 70:000$ para organização de uma companhia dramática nacional que em dois meses deverá representar cinco peças escolhidas pela Academia de Letras para o repertório do 2º ano do contrato Da Rosa.
Propõe-se a dar os 70:000$000 e dá-os, sem concorrência pública, sem formalidade alguma das de praxe para dádivas tais por parte dos poderes públicos, a quem bem lhe parece e foi, no caso, Eduardo Victorino.
Ninguém protesta, ninguém se opõe, todos concordam e todos aplaudem – o que é de pasmar na capital do “Não pode!”...
E é de pasmar, não porque não saibam todos quanto vale e merece Eduardo Victorino, quando há a esperar do seu critério, do seu esforço e da sua competência, mas porque a maneira, o processo pelo qual foi ele escolhido para o encargo – mais penoso do que lucrativo, digamo-lo já – tinha muito e muito por onde ser atacado.
A conclusão a tirar dessa atitude silenciosa, deferente e até farta de aplausos da Crítica e da Imprensa é que a tentativa Victorino era a mais simpática possível, digna de todo o auxílio, de todo o incitamento, de toda a ajuda.
De fato assim a vemos. Nos jornais há colunas e colunas de “interviews” sobre o caso, linhas e linhas de reclame à companhia, aos autores que serão representados, aos artistas que hão de representar, não já as cinco peças escolhidas pela Academia, mas algumas dessas e mais outras aceitas sem concurso, sem concorrência e mesmo antes de escrita.
Soma tudo que caminham as coisas pelo melhor, no melhor dos mundos.
E chega o dia da estreia. Teatro cheio, cheiíssimo, com um lindo aspecto de acontecimento social que interessa a toda a gente, inclusive àqueles que só por magnos sucessos costumam mostrar interesse: os “snobs”, os requintados, os “nariz-torcido”, os “nada-lhe-cheira”.
A peça é de escritora nacional que em vinte volumes dos mais lidos no nosso país, e em vinte anos de cronista nos grandes diários, nas grandes revistas conquistou um grande nome de “conteur”, de romancista, de escritor.
Corre o “velarium” e representa-se a peça. Há um primeiro ato que promete; um segundo cujo final empolga todo o público – os “snobs” e os “não-me-cheira” incluídos; há um terceiro que acaba com toda a gente na sala, sem aquela tão indígena pressa de sair a correr para apanhar o sobretudo e o bonde mal se percebe que a intriga está desmanchada e o pano vai fechar o drama.
As ovações nos finais desses dois atos são formidáveis. A autora vem à cena e homens e senhoras de pé aplaudem, aclamam, vitoriam.
Sai então o espectador ingênuo que não crê senão no que vê e lê, convencido de que assistiu a um legítimo sucesso, a um belo triunfo.
No dia seguinte, porém, toma os jornais e fica apatetado com o que encontra nas críticas teatrais.
É assombroso, é pasmoso, é piramidal!...
Aquela solidariedade, aquela unanimidade de louvores à tentativa de ressurgimento teatral, desapareceu.
A peça é por alguns críticos arrastada pelas ruas da amargura, não só pelo que contém, como pelo que não contém.
Pelo que não contém, sim, pelo que não contém, pois não faltou quem dissesse haver nela uma mãe que aconselha o adultério à filha, com a condição de o realizar esta sem deixar perceber ao marido – ou venha a ser exatamente o oposto do que diz a “D. Elvira”.
Mas nem só aí são deturpados por algumas críticas a intenção e os dizeres e o proceder dos personagens.
A essa mesma figura de mãe, de mãe honesta, inflexível, implacável, houve quem afirmasse ter ouvido a comprido a confissão de um grande erro de uma desonestidade do seu passado, confissão essa feita à filha para a incitar ao adultério!...
Noutras críticas o ataque é ao desempenho, noutras a má escolha das peças e ao cabo de as ler a todas o que se impõe ao leitor de boa fé é perguntar a si mesmo:
- “Mas é esta, em verdade, aquela tentativa de Teatro Nacional cuja organização, cujo preparo, cuja subvenção tão aplaudidas foram pela Imprensa, quando tanto havia por onde a atacar?... Pois estas críticas correspondem à peça, que tanto impressionou e comoveu a sala archi-cheia do Municipal?... Pois esta autora que assim se ataca é aquela que eu vi chamada ao palco duas vezes para receber aplausos unânimes, cerrados, sinceros de toda a assistência de pé, entusiástica, carinhosa?”...
E o leitor ingênuo, mas não tolo, recapitulando o que leu antes, o que viu durante e o que leu depois da estreia da Companhia Dramática Nacional, há de chegar fatalmente a esta outra pergunta:
- “Afinal de contas, em tudo isto de quem devo eu descrer: do teatro nacional ou da Crítica?”...
E pena é que faça a pergunta a si mesmo, porque se me fizesse – e mais sou crítico também... à falta de um homem – responder-lhe-ia francamente, sinceramente, tristemente:
Da Crítica, meu caro, da crítica!...

Baptista Coelho

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O TEATRO NACIONAL

JORNAL BRAZIL – 6/10/1912
O TEATRO NACIONAL

Desde a passada terça-feira está posto n’água e flutua o barco, o complicado, difícil, o perigoso barco da segunda tentativa de ressurgimento do Teatro Nacional, auxiliada pelos poderes públicos.
Foi e vai sendo singularíssima, originalíssima, bem digna desta terra de raridades, de excentricidades, toda a história da organização e do início de realização dessa tentativa.
Analisemo-la rapidamente.
Depois do fracasso da concessão do Teatro Municipal ao empresário Guilherme Da Rosa – fracasso inevitável, mais que esperado por quantos não tivessem nos olhos aquelas peneiras que chegam a tapar o sol – amortecera na imprensa e mesmo nas rodas teatrais, a campanha em prol do renascimento teatral.
O teatro por sessões dera emprego a todos os nossos atores, pusera em atividade todos os artistas e alguns autores, dava imenso que fazer à crítica dos jornais, de sorte que não viam uns vantagem em pensar, não tinham outros tempos para cuidar nessa coisa de teatro normal, de arte dramática nacional.
A pevide da galinha achara remédio, se não cura, nos espetáculos seccionados, muito bem aceitos pelo público e, daí, satisfeita ia vivendo a galinha com a sua pevide.
Se não quando, a Prefeitura, num gesto largo e inesperado propõe-se a dar 70:000$ para organização de uma companhia dramática nacional que em dois meses deverá representar cinco peças escolhidas pela Academia de Letras para o repertório do 2º ano do contrato Da Rosa.
Propõe-se a dar os 70:000$000 e dá-os, sem concorrência pública, sem formalidade alguma das de praxe para dádivas tais por parte dos poderes públicos, a quem bem lhe parece e foi, no caso, Eduardo Victorino.
Ninguém protesta, ninguém se opõe, todos concordam e todos aplaudem – o que é de pasmar na capital do “Não pode!”...
E é de pasmar, não porque não saibam todos quanto vale e merece Eduardo Victorino, quando há a esperar do seu critério, do seu esforço e da sua competência, mas porque a maneira, o processo pelo qual foi ele escolhido para o encargo – mais penoso do que lucrativo, digamo-lo já – tinha muito e muito por onde ser atacado.
A conclusão a tirar dessa atitude silenciosa, deferente e até farta de aplausos da Crítica e da Imprensa é que a tentativa Victorino era a mais simpática possível, digna de todo o auxílio, de todo o incitamento, de toda a ajuda.
De fato assim a vemos. Nos jornais há colunas e colunas de “interviews” sobre o caso, linhas e linhas de reclame à companhia, aos autores que serão representados, aos artistas que hão de representar, não já as cinco peças escolhidas pela Academia, mas algumas dessas e mais outras aceitas sem concurso, sem concorrência e mesmo antes de escrita.
Soma tudo que caminham as coisas pelo melhor, no melhor dos mundos.
E chega o dia da estreia. Teatro cheio, cheiíssimo, com um lindo aspecto de acontecimento social que interessa a toda a gente, inclusive àqueles que só por magnos sucessos costumam mostrar interesse: os “snobs”, os requintados, os “nariz-torcido”, os “nada-lhe-cheira”.
A peça é de escritora nacional que em vinte volumes dos mais lidos no nosso país, e em vinte anos de cronista nos grandes diários, nas grandes revistas conquistou um grande nome de “conteur”, de romancista, de escritor.
Corre o “velarium” e representa-se a peça. Há um primeiro ato que promete; um segundo cujo final empolga todo o público – os “snobs” e os “não-me-cheira” incluídos; há um terceiro que acaba com toda a gente na sala, sem aquela tão indígena pressa de sair a correr para apanhar o sobretudo e o bonde mal se percebe que a intriga está desmanchada e o pano vai fechar o drama.
As ovações nos finais desses dois atos são formidáveis. A autora vem à cena e homens e senhoras de pé aplaudem, aclamam, vitoriam.
Sai então o espectador ingênuo que não crê senão no que vê e lê, convencido de que assistiu a um legítimo sucesso, a um belo triunfo.
No dia seguinte, porém, toma os jornais e fica apatetado com o que encontra nas críticas teatrais.
É assombroso, é pasmoso, é piramidal!...
Aquela solidariedade, aquela unanimidade de louvores à tentativa de ressurgimento teatral, desapareceu.
A peça é por alguns críticos arrastada pelas ruas da amargura, não só pelo que contém, como pelo que não contém.
Pelo que não contém, sim, pelo que não contém, pois não faltou quem dissesse haver nela uma mãe que aconselha o adultério à filha, com a condição de o realizar esta sem deixar perceber ao marido – ou venha a ser exatamente o oposto do que diz a “D. Elvira”.
Mas nem só aí são deturpados por algumas críticas a intenção e os dizeres e o proceder dos personagens.
A essa mesma figura de mãe, de mãe honesta, inflexível, implacável, houve quem afirmasse ter ouvido a comprido a confissão de um grande erro de uma desonestidade do seu passado, confissão essa feita à filha para a incitar ao adultério!...
Noutras críticas o ataque é ao desempenho, noutras a má escolha das peças e ao cabo de as ler a todas o que se impõe ao leitor de boa fé é perguntar a si mesmo:
- “Mas é esta, em verdade, aquela tentativa de Teatro Nacional cuja organização, cujo preparo, cuja subvenção tão aplaudidas foram pela Imprensa, quando tanto havia por onde a atacar?... Pois estas críticas correspondem à peça, que tanto impressionou e comoveu a sala archi-cheia do Municipal?... Pois esta autora que assim se ataca é aquela que eu vi chamada ao palco duas vezes para receber aplausos unânimes, cerrados, sinceros de toda a assistência de pé, entusiástica, carinhosa?”...
E o leitor ingênuo, mas não tolo, recapitulando o que leu antes, o que viu durante e o que leu depois da estreia da Companhia Dramática Nacional, há de chegar fatalmente a esta outra pergunta:
- “Afinal de contas, em tudo isto de quem devo eu descrer: do teatro nacional ou da Crítica?”...
E pena é que faça a pergunta a si mesmo, porque se me fizesse – e mais sou crítico também... à falta de um homem – responder-lhe-ia francamente, sinceramente, tristemente:
Da Crítica, meu caro, da crítica!...

Baptista Coelho

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domingo, 22 de setembro de 2013




JORNAL DO COMÉRCIO – 5/10/1912
Alerta! Sr. Prefeito!
O SENHOR OLIVEIRA PASSOS, ADVOGADO DA TEATRALIA – UM CONTRATO ESCANDALOSO – A MORTE DO TEATRO NACIONAL

O Sr. Oliveira Passos, o feliz padrasto do Teatro Municipal, não contente com as gordas maquias ganhas na construção desse próprio municipal, continua a fazer do lugar que ocupa uma larga cavação.
Assim é que uma firma exploradora, ultimamente organizada para assaltar o infeliz teatro, conseguiu, iludindo a boa fé do digno Sr. General Bento Ribeiro, apossar-se do teatro Municipal, para entregá-lo a Companhia Teatralia.
Nós, que confiamos na honestidade ilibada do General Prefeito, levamos hoje ao seu conhecimento a vergonhosa cavação da firma Oliveira Passos & van Erven, a fim de que S. Ex., em tempo, repare a exploração de que foi vítima.
Esta firma, por um processo que ainda não pudemos, com segurança, qualificar, iludiu o Prefeito, levando-o a assinar um contrato que é vergonhosamente escandaloso.
É sabido por todos, tanto no Teatro Municipal, como na própria Prefeitura, que o contrato que o General Prefeito acaba de assinar é um péssimo negócio para os cofres municipais, como também encobre uma bandalheira monstruosa, na qual, ao que se diz o Sr. Oliveira Passos funcionou como advogado administrativo e talvez interessado direto da Teatralia.
Temos certeza de que o General Prefeito, cuja honestidade tem sido o espantalho de todos os cavadores, repare o seu ato, a fim de salvaguardar os interesses municipais, seriamente prejudicados nesta transação.
Esta confiança temos, mesmo porque, graças ao General Prefeito, vemos agora, em caminho de realização, a mais séria tentativa do teatro nacional.
Não é possível que à arte nacional só sejam dados dois meses para viver e a uma cavação sejam dados os restantes meses do ano.
O General Prefeito não deixará em meio à benemérita obra que iniciou.
Podemos afirmar, com toda segurança, que este contrato, celebrado com a Teatralia, por intermédio do Sr. Oliveira Passos é lesivo à Prefeitura, como havemos de provar.
Já é tempo deste pimpolho feliz largar a sugada têta do Teatro Municipal.
Não nos sobra hoje espaço para examinar, em detalhes, o escandaloso contrato da Teatralia; mas, nos artigos que iremos escrevendo, o Sr. General Prefeito e o público verão como foi feita essa vergonhosa transação.
Hoje, só chamamos a atenção do General Prefeito para, em tempo, remediar o ilícito negócio de que foi vítima.
Amanhã examinaremos as cláusulas do escandaloso contrato, e S. Ex. verá como temos razão de bradar contra a malta de cavadores que se aboletou no Teatro Municipal.
Ao General Prefeito, em nome do teatro nacional, e mesmo da moralidade administrativa, pedimos que anule o ato que entrevou o Teatro Municipal à Teatralia.
(Reprodução da Gazeta da Tarde de 3 de Setembro de 1912)

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JORNAL DO COMÉRCIO – 5/10/1912
Alerta! Sr. Prefeito!
O SENHOR OLIVEIRA PASSOS, ADVOGADO DA TEATRALIA – UM CONTRATO ESCANDALOSO – A MORTE DO TEATRO NACIONAL

O Sr. Oliveira Passos, o feliz padrasto do Teatro Municipal, não contente com as gordas maquias ganhas na construção desse próprio municipal, continua a fazer do lugar que ocupa uma larga cavação.
Assim é que uma firma exploradora, ultimamente organizada para assaltar o infeliz teatro, conseguiu, iludindo a boa fé do digno Sr. General Bento Ribeiro, apossar-se do teatro Municipal, para entregá-lo a Companhia Teatralia.
Nós, que confiamos na honestidade ilibada do General Prefeito, levamos hoje ao seu conhecimento a vergonhosa cavação da firma Oliveira Passos & van Erven, a fim de que S. Ex., em tempo, repare a exploração de que foi vítima.
Esta firma, por um processo que ainda não pudemos, com segurança, qualificar, iludiu o Prefeito, levando-o a assinar um contrato que é vergonhosamente escandaloso.
É sabido por todos, tanto no Teatro Municipal, como na própria Prefeitura, que o contrato que o General Prefeito acaba de assinar é um péssimo negócio para os cofres municipais, como também encobre uma bandalheira monstruosa, na qual, ao que se diz o Sr. Oliveira Passos funcionou como advogado administrativo e talvez interessado direto da Teatralia.
Temos certeza de que o General Prefeito, cuja honestidade tem sido o espantalho de todos os cavadores, repare o seu ato, a fim de salvaguardar os interesses municipais, seriamente prejudicados nesta transação.
Esta confiança temos, mesmo porque, graças ao General Prefeito, vemos agora, em caminho de realização, a mais séria tentativa do teatro nacional.
Não é possível que à arte nacional só sejam dados dois meses para viver e a uma cavação sejam dados os restantes meses do ano.
O General Prefeito não deixará em meio à benemérita obra que iniciou.
Podemos afirmar, com toda segurança, que este contrato, celebrado com a Teatralia, por intermédio do Sr. Oliveira Passos é lesivo à Prefeitura, como havemos de provar.
Já é tempo deste pimpolho feliz largar a sugada têta do Teatro Municipal.
Não nos sobra hoje espaço para examinar, em detalhes, o escandaloso contrato da Teatralia; mas, nos artigos que iremos escrevendo, o Sr. General Prefeito e o público verão como foi feita essa vergonhosa transação.
Hoje, só chamamos a atenção do General Prefeito para, em tempo, remediar o ilícito negócio de que foi vítima.
Amanhã examinaremos as cláusulas do escandaloso contrato, e S. Ex. verá como temos razão de bradar contra a malta de cavadores que se aboletou no Teatro Municipal.
Ao General Prefeito, em nome do teatro nacional, e mesmo da moralidade administrativa, pedimos que anule o ato que entrevou o Teatro Municipal à Teatralia.
(Reprodução da Gazeta da Tarde de 3 de Setembro de 1912)

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terça-feira, 17 de setembro de 2013

Parece-me extremamente relevante conhecer nosso passado...

PAIZ – 2/10/1912

Quem não perdoa...

Não se alarmem aqueles que sonham com o ressurgimento do teatro nacional, ao lado de uma literatura dramática, com o fato de não terem encontrado ontem, no Teatro Municipal, uma companhia igual àquelas que aqui dirigia Furtado Coelho; nem tampouco desanimem os que acreditavam na força produtiva dos nossos literatos, tendo, para início da temporada oficial, a tragédia em prosa de Julia de Almeida.
O que se fez ontem e o que se vai fazer durante dois meses é uma simples experiência, uma louvável tentativa de galvanismo.
Quando todos os jornais desta capital discutiam esses assuntos, que se prendiam à necessidade de termos teatro nosso, declaramos aqui, nestas colunas, com a nossa habitual e rude franqueza, que não tínhamos atores, nem dramaturgos, nem cenógrafos, e podemos acrescentar que o grupo forte de inteligentes críticos teatrais, que os temos como poucas cidades, de honestidade, proverbial na Europa e no Rio da Prata, rapazes que se esforçam quando há verdadeiras ocasiões de exercer essa delicada função – os críticos teatrais, dizíamos, desaparecem diante das produções nacionais, medrosos das tolas suscetibilidades de autores presunçosos, que se iludem criando um corrilho de elogios mútuos, e que repelem a análise crítica de quem quer que seja, por isso que se julgam intangíveis modelos de uma arte nova, elevada e genial.
É característico o fato que se deu conosco, ao apresentarmos duas peças – a Aurora e a Ave Maria.
No primeiro caso, foi preciso um verdadeiro desafio, excitando o amor próprio dos críticos, ofendendo-os mesmo, com uma espécie de bravata, para que todos eles se compenetrassem do verdadeiro dever de sua missão, e não nos tecessem elogios por simples coleguismo; quanto à segunda produção, o fato é recente: pedimos toda a franqueza na manifestação do juízo da imprensa, declarando que desejávamos crítica severa e não favores, para que se julgasse ao mesmo tempo não só o merecimento da peça, como também o critério da celebérrima comissão da Academia Brasileira, tão leviana na sua repulsa unânime de um trabalho que podia competir com os escolhidos naquele cenáculo, em que não podia deixar de haver um Judas.
A crítica trabalhou com desafogo, com independência, porque sabia que era esse o nosso desejo; mas, para estímulo e para a realização do ressurgimento que se almeja, seria preciso que essa crítica continuasse pelo caminho que lhe traçáramos, animando, ensinando, expurgando e excitando, mas é justamente isso o que vai falhar, dando como resultado infalível a bancarrota da tentativa e desde então, diante do naufrágio, recuarão, com justo motivo, as assembléias legislativas, negando auxílios pecuniários para novas experiências.
O autor, como qualquer outro artista, produtor ou executor, não tem o direito de se revoltar contra a crítica, nem lhe deve favores e muito menos agradecimentos, no caso de uma opinião favorável – assim pensamos e assim procedemos – tanto que, quando recebemos dos nossos colegas as suas opiniões, que muito nos lisonjearam, não agradecemos, como não saltaríamos em polêmica, no caso contrário.
E, no entanto, o que já se deu, e que vamos narrar, provará a má orientação dos nossos autores e de alguns críticos, que, de antemão, entregam os pulsos às algemas desses mesmos corrilhos, desconhecendo o mal que daí surgirá.
O autor Roberto Gomes, quando nos manifestamos a respeito da sua peça em um ato, representada em 1910, saiu a campo, de lança em riste, para defender a sua primeira tentativa, em lugar de aceitar os conselhos de um velho experiente, que lhe apontava os defeitos dessa produção, que muito ganharia com os retoques de um carpinteiroteatral; mas o mestre genial não esteve por isso; queria que o crítico do Paiz entrasse no coro dos aplausos dos seus amigos pessoais, aumentando o êxito de estima sem dar uma nota dissonante nesse concerto de louvaminhas improdutivas.
Esse mesmo autor, por uma simples referência, aliás elogiosa, à sua peça, em vésperas de representação, escreveu-nos uma carta aberta, com a insolência dos garnisés que entram em terreno sem galo, e foi preciso soltar-lhe em cima um cão de fila, mascarado em trocista, para obrigá-lo a cantar como galinha choca e bater em retirada.
Já lemos, nas folhas que mais se interessam pelo êxito da empresa municipal, coisas inauditas, como seja a afirmação de que, para as novas peças nacionais, estão sendo preparadas cenografias como nunca vimos nossos teatros, verdadeiras novidades, revoluções na arte, criações assombrosas – como se estivéssemos acenando as enchentes para um espetáculo – tiro, e esquecendo que esses exageros preparam uma desilusão no espírito das plateias, que em tais casos esperam muito mais do que aquilo que se lhes podia dar. Os críticos devem ter bem presente na memória a verdade de que são, por sua vez, criticados pelo público que lê, compara e deduz, e, se é certo que é facílimo enganar esse público, também é certo que só se o engana uma vez.
Esses mesmos jornais, pensando erradamente que podem sugestionar o público, em lugar de deixar que se prepare uma agradável surpresa, já gritaram que as peças que vão ser representadas são verdadeiras produções geniais, com diálogos deliciosos e teatralidade rara, e que as representações vão recordar os espetáculos de Sarah Bernhardt, da Duse, do Rossi, do Novelli e do Guitry, e depois, quando lá estiver o público e não encontrar as peças dos Dumas e Shakespeares brasileiros, nem vir no palco nem as Sarahs, nem as Duses – desanimará e deixará a tentativa correr por conta desses arautos e pregoeiros de mentirolas.
Com D. Julia Lopes deu-se um fato curiosíssimo. Em um dos seus brilhantes artigos inseridos nesta folha, disse ela, um dia, que nas letras não desejava ser julgada como senhora e sim como autor, como escritor, e assim devia ser; mas, baseados nessa declaração e molestados por pessoa que lhe é cara, fizemos referências à sua peça representada ontem, e também à produção de uma comédia, sem pés nem cabeça, de sua extremosa irmã, D. Adelina Lopes Vieira, e o resultado foi a revolta de D. Julia Lopes, retirando a sua interessante colaboração desta folha, para não estar ao lado de um redator que tivera a pouca delicadeza de tratá-la como autor e não como senhora, e que se intrometera na sua família, criticando o trabalho de sua cara irmã, esquecendo-se, sem dúvida, que as senhoras que não querem se sujeitar à rudeza da crítica, não entram em concursos literários, saindo vitoriosas por empenho, para serem depois repudiadas pelos empresários.
Estamos, portanto, diante de um fato curioso: - o prefeito do Distrito Federal submeteu ao juízo de uma comissão da Academia de Letras os originais que deviam ser representados no teatro Municipal; essa comissão fez a sua escolha e arvorou em obra de arte a comédia A expiação, de D. Adelina Lopes, e no fim de contas o empresário Eduardo Victorino, censor da aludida comissão, esconde a sua gargalhada, que significa simplesmente a frase – Isto não é sério, e não representa a peça, deixando-nos na impossibilidade de justificar o nosso juízo.
Era necessário esse histórico que aí deixamos, fotografando as idéias daqueles que pretendem reerguer a arte dramática no Brasil, começando pela revolta contra a crítica e enchendo de empáfias vaidosas os seus balões, que não devem ser alvejados por aqueles que não fazem parte do corrilho.
O nosso caminho não está traçado e a nossa crítica será exercida com toda a justiça, realçando o que for bom, apontando os defeitos e procurando ser útil não só aos auditórios, dando-lhes boa orientação, como guiando, centro dos limites de nossas pequenas forças e consciência, os autores e atores.
Se erramos – ao menos estará salva a boa vontade.
Vejamos agora (e já era tempo) o resultado da representação da tragédia – Quem não perdoa... original de Julia Lopes.
Convém notar, antes de tudo, a terrível coincidência da representação da Quem não perdoa... com o dia da absolvição do Dr. Mendes Tavares.
Na peça em questão a tese é o direito de punir o impune, de modo que, falhando a justiça legal, intervenha a justiça pessoal, teoria perigosa, ainda que bem defendida por filósofos de nomeada nos meios socialistas e anárquicos.
Se o teatro fosse uma escola, como pretendiam os antigos (e no caso presente uma escola de direito criminal), e se impressionasse fóra do círculo estético de uma ação fugaz, fazendo propaganda de suas teorias, veríamos agora os parentes próximos do comandante Lopes da Cruz promovendo a justiça que falhou no tribunal popular e levando a sua sentença além das penas estabelecidas no nosso código, que aboliu a pena de morte.
O drama, sendo, pois, humano e verdadeiro, é, no entanto, imoral em face da filosofia do direito; subversivo perante o Evangelho, e nocivo às sociedades em via de formação, porque, em vez de profligar a desmoralização do júri, indica um caminho perigoso, errado, e mais criminoso do que a falta de pudor dos juízes que negam a afirmação das testemunhas e que chegariam, se tanto fosse necessário, aos interesses inconfessáveis, a negar a existência de um assassinato que tão fortemente impressionara a população desta capital, justamente como na peça.
Ora, desde que acusamos o drama, taxando-o de imoral, claro está que não podemos aplaudir uma obra de arte que traz em seu bojo a repugnante e insustentável lei de Talião.
Vejamos, porém, a urdidura da tragédia com o fim de avaliar o conhecimento que o autortem ou deveria ter do teatro representativo.
Se a peça fosse uma burleta ou uma comédia de costumes, o 1º ato estaria bem traçado: mas ligado aos dois últimos torna-se um disparate, mormente desde que entra em cena o Dr. Gustavo, que vai pela primeira vez à casa da viúva D. Elvira, para pedir-lhe a mão de sua filha Ilda.
Pois o diabo da velha começa a dar à língua, com corda para quinze dias, e conta ao pretendente que é ela quem lava as panelas e varre a casa, e que é pobre, tanto que tem transações com os belchiores, e que sua filha nasceu azarada, desfiando um rosário de desgraças, de febres palustres, tombos de árvores, banhos de mar à força, esquecendo-se com certeza de que a pobrezinha fora também mordida por um cachorrinho de estimação e levara uma chifrada da cabra que ajudara a sua amamentação.
Um horror!
Na vida real, se aquele fato se desse com um engenheiro, o homem desconfiado diria: - Minha senhora! Caso-me com a sua filha, com a condição de, no dia seguinte, V. Ex. recolher-se à casa de saúde do Dr. Eiras.
É um ato pesadamente arrastado, formando o prólogo do drama que se vai desenrolar.
Reconhecemos, no entanto, que o tipo do belchior Beirão é bem traçado; mas infelizmente trata-se de um personagem episódico, que desaparece desde que completa a sua missão de esticar o ato.
Realiza-se o casamento e passam-se alguns anos, até que chegamos ao 2º ato, dando lugar à apresentação de dois tipos bem observados, a tagarela e velhusca namoradeira D. Angela, e o negociante falido Vieira; no entanto, causa surpresa o diálogo entre a mãe extremosa e cheia de virtudes com a querida filha que ela salvara de croupp e de desastres, aconselhando à filha a ser discreta e reservada nas suas infidelidades!!
Pois, apesar da boa conselheira, a pequena deixa-se apanhar num beijo com o amante e leva por isso uma facada e morre.
Essa cena está mal preparada e cheia de situações falsas, impossíveis e contraditórias.
Aquele amigo que vem lançar a discórdia no casal é o que há de mais ridiculamente arquitetado, e a cena do marido rancoroso com a notícia da infidelidade da esposa, longe de impressionar a plateia, provocou uma risada com a frase – Até logo.
Essa foi a crítica da plateia, que, rindo numa cena altamente dramática, traça o seu veredictum
e desde então não há nada que seja capaz de levantar a peça, que, ainda assim e apesar do ridículo, ainda foi reanimada pela cena muda desempenhada pela atriz Maria Falcão.
O público foi benévolo e, depois de aplaudir os artistas, aplaudiu também a autora, que os seus intérpretes tiveram a generosidade de apresentar aos espectadores.
No 3º ato, o assassino volta do júri, absolvido por unanimidade, e encontra em casa uma manifestação de apreço, havendo também uma Lola, que esgoela uma canção, encaixada a martelo e escrita pelo diretor do Instituto Nacional de Música. A retirada da Lola provocadora também fez rir, e o caso era para isso.
Desaparecem os episódios e o drama vai continuar com a aparição do remorso vivo. É a viúva, que não sabemos por que, quiseram que fosse um cão (?) de fila, dando o primeiro nome que teve a peça.
O remorso vivo transforma-se em Tosca: o júri perdoou, mas a D. Elvira não está pelos autos e crava o punhal no peito do réu absolvido.
E agora?
Tosca, em lugar de atirar-se das muralhas do castelo, chega à janela e brada – Matei um homem.
E aí está a peça.
Como no final do 2º ato, os artistas ainda trouxeram o autor ao proscênio, dando-lhe os aplausos dirigidos à execução.
A atriz Maria Falcão fez tudo quanto era possível para salvar-se do naufrágio que a inexperiência do autor preparara, e foi além do que esperávamos.
Mantiveram-se perfeitamente em seus papéis o ator Ferreira de Souza e as Sras. Luiza de Oliveira e Lucília Peres, sendo muito fraco o papel desta última, como insignificantes todos os outros, sem exceção, motivo pelo qual o ator Ramos só conseguiu fazer rir em vez de impressionar.
Mas o caso não deve ser de desânimo para a companhia. Trabalhem com animação, e quando aparecerem boas peças, como esperamos, porque aí vêm os trabalhos de Roberto Gomes, de Paulo Barreto e Carlos Góes, então o esforço dos artistas da atual companhia dramática será recompensado pelo êxito real da colaboração, com a qual serão auxiliados os autores.
O espetáculo de ontem serviu para provar que é possível realizar a tentativa. Falharam os efeitos; a culpa, porém, não foi dos artistas, mas unicamente da peça, apesar de todos os esforços para salvá-la da queda que prevíramos ser inevitável.
A autora também não deve desanimar, ao contrário, deve procurar com o seu grande talento reerguer o nome consagrado pela Herança e obter a desforra que merece.
Os cenários são bons e o do 2º ato ótimo, de grande efeito, tendo havido boa marcação da peça, por parte do ensaiador, que é o Sr. Eduardo Victorino.

Oscar Guanabarino   

Parece-me extremamente relevante conhecer nosso passado...

PAIZ – 2/10/1912

Quem não perdoa...

Não se alarmem aqueles que sonham com o ressurgimento do teatro nacional, ao lado de uma literatura dramática, com o fato de não terem encontrado ontem, no Teatro Municipal, uma companhia igual àquelas que aqui dirigia Furtado Coelho; nem tampouco desanimem os que acreditavam na força produtiva dos nossos literatos, tendo, para início da temporada oficial, a tragédia em prosa de Julia de Almeida.
O que se fez ontem e o que se vai fazer durante dois meses é uma simples experiência, uma louvável tentativa de galvanismo.
Quando todos os jornais desta capital discutiam esses assuntos, que se prendiam à necessidade de termos teatro nosso, declaramos aqui, nestas colunas, com a nossa habitual e rude franqueza, que não tínhamos atores, nem dramaturgos, nem cenógrafos, e podemos acrescentar que o grupo forte de inteligentes críticos teatrais, que os temos como poucas cidades, de honestidade, proverbial na Europa e no Rio da Prata, rapazes que se esforçam quando há verdadeiras ocasiões de exercer essa delicada função – os críticos teatrais, dizíamos, desaparecem diante das produções nacionais, medrosos das tolas suscetibilidades de autores presunçosos, que se iludem criando um corrilho de elogios mútuos, e que repelem a análise crítica de quem quer que seja, por isso que se julgam intangíveis modelos de uma arte nova, elevada e genial.
É característico o fato que se deu conosco, ao apresentarmos duas peças – a Aurora e a Ave Maria.
No primeiro caso, foi preciso um verdadeiro desafio, excitando o amor próprio dos críticos, ofendendo-os mesmo, com uma espécie de bravata, para que todos eles se compenetrassem do verdadeiro dever de sua missão, e não nos tecessem elogios por simples coleguismo; quanto à segunda produção, o fato é recente: pedimos toda a franqueza na manifestação do juízo da imprensa, declarando que desejávamos crítica severa e não favores, para que se julgasse ao mesmo tempo não só o merecimento da peça, como também o critério da celebérrima comissão da Academia Brasileira, tão leviana na sua repulsa unânime de um trabalho que podia competir com os escolhidos naquele cenáculo, em que não podia deixar de haver um Judas.
A crítica trabalhou com desafogo, com independência, porque sabia que era esse o nosso desejo; mas, para estímulo e para a realização do ressurgimento que se almeja, seria preciso que essa crítica continuasse pelo caminho que lhe traçáramos, animando, ensinando, expurgando e excitando, mas é justamente isso o que vai falhar, dando como resultado infalível a bancarrota da tentativa e desde então, diante do naufrágio, recuarão, com justo motivo, as assembléias legislativas, negando auxílios pecuniários para novas experiências.
O autor, como qualquer outro artista, produtor ou executor, não tem o direito de se revoltar contra a crítica, nem lhe deve favores e muito menos agradecimentos, no caso de uma opinião favorável – assim pensamos e assim procedemos – tanto que, quando recebemos dos nossos colegas as suas opiniões, que muito nos lisonjearam, não agradecemos, como não saltaríamos em polêmica, no caso contrário.
E, no entanto, o que já se deu, e que vamos narrar, provará a má orientação dos nossos autores e de alguns críticos, que, de antemão, entregam os pulsos às algemas desses mesmos corrilhos, desconhecendo o mal que daí surgirá.
O autor Roberto Gomes, quando nos manifestamos a respeito da sua peça em um ato, representada em 1910, saiu a campo, de lança em riste, para defender a sua primeira tentativa, em lugar de aceitar os conselhos de um velho experiente, que lhe apontava os defeitos dessa produção, que muito ganharia com os retoques de um carpinteiro teatral; mas o mestre genial não esteve por isso; queria que o crítico do Paiz entrasse no coro dos aplausos dos seus amigos pessoais, aumentando o êxito de estima sem dar uma nota dissonante nesse concerto de louvaminhas improdutivas.
Esse mesmo autor, por uma simples referência, aliás elogiosa, à sua peça, em vésperas de representação, escreveu-nos uma carta aberta, com a insolência dos garnisés que entram em terreno sem galo, e foi preciso soltar-lhe em cima um cão de fila, mascarado em trocista, para obrigá-lo a cantar como galinha choca e bater em retirada.
Já lemos, nas folhas que mais se interessam pelo êxito da empresa municipal, coisas inauditas, como seja a afirmação de que, para as novas peças nacionais, estão sendo preparadas cenografias como nunca vimos nossos teatros, verdadeiras novidades, revoluções na arte, criações assombrosas – como se estivéssemos acenando as enchentes para um espetáculo – tiro, e esquecendo que esses exageros preparam uma desilusão no espírito das plateias, que em tais casos esperam muito mais do que aquilo que se lhes podia dar. Os críticos devem ter bem presente na memória a verdade de que são, por sua vez, criticados pelo público que lê, compara e deduz, e, se é certo que é facílimo enganar esse público, também é certo que só se o engana uma vez.
Esses mesmos jornais, pensando erradamente que podem sugestionar o público, em lugar de deixar que se prepare uma agradável surpresa, já gritaram que as peças que vão ser representadas são verdadeiras produções geniais, com diálogos deliciosos e teatralidade rara, e que as representações vão recordar os espetáculos de Sarah Bernhardt, da Duse, do Rossi, do Novelli e do Guitry, e depois, quando lá estiver o público e não encontrar as peças dos Dumas e Shakespeares brasileiros, nem vir no palco nem as Sarahs, nem as Duses – desanimará e deixará a tentativa correr por conta desses arautos e pregoeiros de mentirolas.
Com D. Julia Lopes deu-se um fato curiosíssimo. Em um dos seus brilhantes artigos inseridos nesta folha, disse ela, um dia, que nas letras não desejava ser julgada como senhora e sim como autor, como escritor, e assim devia ser; mas, baseados nessa declaração e molestados por pessoa que lhe é cara, fizemos referências à sua peça representada ontem, e também à produção de uma comédia, sem pés nem cabeça, de sua extremosa irmã, D. Adelina Lopes Vieira, e o resultado foi a revolta de D. Julia Lopes, retirando a sua interessante colaboração desta folha, para não estar ao lado de um redator que tivera a pouca delicadeza de tratá-la como autor e não como senhora, e que se intrometera na sua família, criticando o trabalho de sua cara irmã, esquecendo-se, sem dúvida, que as senhoras que não querem se sujeitar à rudeza da crítica, não entram em concursos literários, saindo vitoriosas por empenho, para serem depois repudiadas pelos empresários.
Estamos, portanto, diante de um fato curioso: - o prefeito do Distrito Federal submeteu ao juízo de uma comissão da Academia de Letras os originais que deviam ser representados no teatro Municipal; essa comissão fez a sua escolha e arvorou em obra de arte a comédia A expiação, de D. Adelina Lopes, e no fim de contas o empresário Eduardo Victorino, censor da aludida comissão, esconde a sua gargalhada, que significa simplesmente a frase – Isto não é sério, e não representa a peça, deixando-nos na impossibilidade de justificar o nosso juízo.
Era necessário esse histórico que aí deixamos, fotografando as idéias daqueles que pretendem reerguer a arte dramática no Brasil, começando pela revolta contra a crítica e enchendo de empáfias vaidosas os seus balões, que não devem ser alvejados por aqueles que não fazem parte do corrilho.
O nosso caminho não está traçado e a nossa crítica será exercida com toda a justiça, realçando o que for bom, apontando os defeitos e procurando ser útil não só aos auditórios, dando-lhes boa orientação, como guiando, centro dos limites de nossas pequenas forças e consciência, os autores e atores.
Se erramos – ao menos estará salva a boa vontade.
Vejamos agora (e já era tempo) o resultado da representação da tragédia – Quem não perdoa... original de Julia Lopes.
Convém notar, antes de tudo, a terrível coincidência da representação da Quem não perdoa... com o dia da absolvição do Dr. Mendes Tavares.
Na peça em questão a tese é o direito de punir o impune, de modo que, falhando a justiça legal, intervenha a justiça pessoal, teoria perigosa, ainda que bem defendida por filósofos de nomeada nos meios socialistas e anárquicos.
Se o teatro fosse uma escola, como pretendiam os antigos (e no caso presente uma escola de direito criminal), e se impressionasse fóra do círculo estético de uma ação fugaz, fazendo propaganda de suas teorias, veríamos agora os parentes próximos do comandante Lopes da Cruz promovendo a justiça que falhou no tribunal popular e levando a sua sentença além das penas estabelecidas no nosso código, que aboliu a pena de morte.
O drama, sendo, pois, humano e verdadeiro, é, no entanto, imoral em face da filosofia do direito; subversivo perante o Evangelho, e nocivo às sociedades em via de formação, porque, em vez de profligar a desmoralização do júri, indica um caminho perigoso, errado, e mais criminoso do que a falta de pudor dos juízes que negam a afirmação das testemunhas e que chegariam, se tanto fosse necessário, aos interesses inconfessáveis, a negar a existência de um assassinato que tão fortemente impressionara a população desta capital, justamente como na peça.
Ora, desde que acusamos o drama, taxando-o de imoral, claro está que não podemos aplaudir uma obra de arte que traz em seu bojo a repugnante e insustentável lei de Talião.
Vejamos, porém, a urdidura da tragédia com o fim de avaliar o conhecimento que o autor tem ou deveria ter do teatro representativo.
Se a peça fosse uma burleta ou uma comédia de costumes, o 1º ato estaria bem traçado: mas ligado aos dois últimos torna-se um disparate, mormente desde que entra em cena o Dr. Gustavo, que vai pela primeira vez à casa da viúva D. Elvira, para pedir-lhe a mão de sua filha Ilda.
Pois o diabo da velha começa a dar à língua, com corda para quinze dias, e conta ao pretendente que é ela quem lava as panelas e varre a casa, e que é pobre, tanto que tem transações com os belchiores, e que sua filha nasceu azarada, desfiando um rosário de desgraças, de febres palustres, tombos de árvores, banhos de mar à força, esquecendo-se com certeza de que a pobrezinha fora também mordida por um cachorrinho de estimação e levara uma chifrada da cabra que ajudara a sua amamentação.
Um horror!
Na vida real, se aquele fato se desse com um engenheiro, o homem desconfiado diria: - Minha senhora! Caso-me com a sua filha, com a condição de, no dia seguinte, V. Ex. recolher-se à casa de saúde do Dr. Eiras.
É um ato pesadamente arrastado, formando o prólogo do drama que se vai desenrolar.
Reconhecemos, no entanto, que o tipo do belchior Beirão é bem traçado; mas infelizmente trata-se de um personagem episódico, que desaparece desde que completa a sua missão de esticar o ato.
Realiza-se o casamento e passam-se alguns anos, até que chegamos ao 2º ato, dando lugar à apresentação de dois tipos bem observados, a tagarela e velhusca namoradeira D. Angela, e o negociante falido Vieira; no entanto, causa surpresa o diálogo entre a mãe extremosa e cheia de virtudes com a querida filha que ela salvara de croupp e de desastres, aconselhando à filha a ser discreta e reservada nas suas infidelidades!!
Pois, apesar da boa conselheira, a pequena deixa-se apanhar num beijo com o amante e leva por isso uma facada e morre.
Essa cena está mal preparada e cheia de situações falsas, impossíveis e contraditórias.
Aquele amigo que vem lançar a discórdia no casal é o que há de mais ridiculamente arquitetado, e a cena do marido rancoroso com a notícia da infidelidade da esposa, longe de impressionar a plateia, provocou uma risada com a frase – Até logo.
Essa foi a crítica da plateia, que, rindo numa cena altamente dramática, traça o seu veredictum
e desde então não há nada que seja capaz de levantar a peça, que, ainda assim e apesar do ridículo, ainda foi reanimada pela cena muda desempenhada pela atriz Maria Falcão.
O público foi benévolo e, depois de aplaudir os artistas, aplaudiu também a autora, que os seus intérpretes tiveram a generosidade de apresentar aos espectadores.
No 3º ato, o assassino volta do júri, absolvido por unanimidade, e encontra em casa uma manifestação de apreço, havendo também uma Lola, que esgoela uma canção, encaixada a martelo e escrita pelo diretor do Instituto Nacional de Música. A retirada da Lola provocadora também fez rir, e o caso era para isso.
Desaparecem os episódios e o drama vai continuar com a aparição do remorso vivo. É a viúva, que não sabemos por que, quiseram que fosse um cão (?) de fila, dando o primeiro nome que teve a peça.
O remorso vivo transforma-se em Tosca: o júri perdoou, mas a D. Elvira não está pelos autos e crava o punhal no peito do réu absolvido.
E agora?
Tosca, em lugar de atirar-se das muralhas do castelo, chega à janela e brada – Matei um homem.
E aí está a peça.
Como no final do 2º ato, os artistas ainda trouxeram o autor ao proscênio, dando-lhe os aplausos dirigidos à execução.
A atriz Maria Falcão fez tudo quanto era possível para salvar-se do naufrágio que a inexperiência do autor preparara, e foi além do que esperávamos.
Mantiveram-se perfeitamente em seus papéis o ator Ferreira de Souza e as Sras. Luiza de Oliveira e Lucília Peres, sendo muito fraco o papel desta última, como insignificantes todos os outros, sem exceção, motivo pelo qual o ator Ramos só conseguiu fazer rir em vez de impressionar.
Mas o caso não deve ser de desânimo para a companhia. Trabalhem com animação, e quando aparecerem boas peças, como esperamos, porque aí vêm os trabalhos de Roberto Gomes, de Paulo Barreto e Carlos Góes, então o esforço dos artistas da atual companhia dramática será recompensado pelo êxito real da colaboração, com a qual serão auxiliados os autores.
O espetáculo de ontem serviu para provar que é possível realizar a tentativa. Falharam os efeitos; a culpa, porém, não foi dos artistas, mas unicamente da peça, apesar de todos os esforços para salvá-la da queda que prevíramos ser inevitável.
A autora também não deve desanimar, ao contrário, deve procurar com o seu grande talento reerguer o nome consagrado pela Herança e obter a desforra que merece.
Os cenários são bons e o do 2º ato ótimo, de grande efeito, tendo havido boa marcação da peça, por parte do ensaiador, que é o Sr. Eduardo Victorino.

Oscar Guanabarino   

domingo, 8 de setembro de 2013

AS OUTRAS ARTES E O TEATRO NO BRASIL



PAIZ – 6/12/1912

O TEATRO NACIONAL – O ENTUSIASMO DA PLATEIA – O DIA SEGUINTE: A CRÍTICA – AS REVISTINHAS E O TEATRO SÉRIO – A MORAL NO TEATRO E NO CINEMATÓGRAFO – AS OUTRAS ARTES E O TEATRO NO BRASIL.

Na noite de 1º do corrente o suntuoso palácio da Municipalidade abriu as suas portas para uma nova tentativa de teatro nacional. Tinha decorrido um longo período de profundo desânimo, durante o qual vigorosamente floresceram as artes parasitárias do teatro. Os elementos que há muitos anos vivem por aí aos trancos, como que de uma vez por todas se haviam dispersado, aniquilados por todas as provações e sem piedade batidos por todos os reveses. Um homem que a uma bela coragem alia a sua já agora indiscutível competência, consegue reunir num elenco o que de melhor havia nesses elementos e amparado pelos poderes do Distrito Federal se propõe a demonstrar que não era uma utopia o teatro normal no Rio de Janeiro. Estava nessa prova pública uma perigosa cartada a jogar. Ganhá-la seria uma dessas vitórias que caracterizam a vida de um homem. Mas perde-la, seria arrastar na derrota as derradeiras esperanças que porventura existissem nos elementos congregados para a decisiva batalha.
Em tais condições, pode-se bem imaginar qual era o estado d’alma das pessoas que sinceramente se interessam pelo nosso teatro e que assistiram ao levantar do pano para a inauguração da temporada oficial.
A primeira impressão, diante de uma cena aberta, é sempre uma indicação para o resultado definitivo, seja o êxito, seja o insucesso. Nessa noite, a primeira impressão foi boa: a impressão definitiva foi melhor. Quem enchia a plateia – e literalmente a enchia – era a assinalada assembléia de damas e cavalheiros que no seu conjunto emprestam às principais salas de espetáculo do Rio aquele aspecto de beleza e elegância que os cronistas mundanos habitualmente denominam de solene e que nas grandes recitas do sempre augusto teatro Lírico, tradição viva da nossa sociedade, atinge a um esplendor que se não deixou ainda usurpar.
Que significava essa excepcional concorrência da nata da sociedade carioca a mais um esforço em favor do teatro brasileiro, da qual ela quase sempre andou arredia? Significava boa vontade, curiosidade, interesse, simpatia? Tudo isso, evidentemente. Esse lisonjeiro sintoma, entretanto, vinha arriscar ainda mais a cartada.
Ao fechar-se o velário do primeiro ato da peça da ilustre escritora D. Julia Lopes de Almeida a cartada estava ganha. Triunfara plenamente a competência de Eduardo Victorino – o homem ousado e hábil que a inteligência do infatigável Coelho Netto fôra buscar para dirigir a grande prova.
A conversa dos corredores confirmava o entusiasmo da sala. Em todas as bocas era espontâneo o louvor para o ingente, para o considerável esforço. O interesse da peça, a correção dos artistas, a propriedade dos cenários, tudo isso, capaz de atrair o público, era elogiado com abundância de coração. As ovações ao fim do terceiro ato do drama Quem não perdoa..., feitas estando toda a gente de pé, coroaram generosamente a feliz experiência. A autora, os artistas e o empresário recebiam desse modo uma justa homenagem.
A todas as pessoas que constituíram plateia tão calorosa estava reservada na manhã seguinte, à leitura dos jornais, uma desagradável surpresa: algumas das notícias críticas da festa estavam simplesmente ferozes. Nelas tudo era arrasado sem piedade, a peça, o desempenho, tudo. Tais críticas deviam ter dado aos leitores que não haviam comparecido na véspera ao Municipal a impressão de um desastre completo. As outras, porém, testemunhas da vitória e partes nos ardentes aplausos, elas vieram trazer a certeza de uma clamorosa injustiça. Pois, que? Os jornais que imprimem diariamente os mais francos elogios às mais pífias revistinhas de cinematógrafos, reservam exatamente todo o seu rigor para um movimento honesto de arte séria? Os jornais que acham encantadoras e esfuziantes de graça as coplas das burletas servidas por sessões, que não medem adjetivos para classificar as funções dos circos de cavalinhos, enrijam a férula da crítica somente quando um grupo bem intencionado pensa em estabelecer o teatro nacional? Por que não adotaram outros, por exemplo, o critério da modelar crítica do Jornal do Commercio?
Qual é a razão dessa intolerância, dessa má vontade. É claro que se não deseja um laissez-allerdesairoso. Mas, o que se devia legitimamente esperar era uma atitude que significasse interesse para um esforço de tanta responsabilidade e de tão clara repercussão no futuro.
Fenômeno sem explicação plausível, o teatro tem vivido no Brasil à custa de sacrifícios enormes e chegou a um ponto extremo de miséria orgânica. Pregoeiros fúnebres anunciavam o seu irremediável desaparecimento, a falta de dramaturgos e de interpretes. Pensa-se em soerguer o moribundo. Um sopro de vida o anima. Em vez do pobre encontrar apoio nos circunstantes, vê face a face uma fileira de punhos cerrados que o ameaçam e uma teoria de bocas cerradas que lhe dizem: “Morre danado! Deverás morrer, pois que, se vivesses, nós estaríamos desmoralizados. Temos dito que a tua existência é impossível. A tua vida será a nossa vergonha. É exato que temos tudo: poetas, romancistas, filósofos, críticos, pintores, escultores, músicos, arquitetos. Gente de teatro é que não deveremos ter. Tem paciência! recebe mais este ponta-pé e ... morre!”
Tão viva é a grita contra o ressurgimento do teatro que se chega ao ponto de adulterar o pensamento de um autor para insinuar-se que a sua peça, é um insulto à sociedade, à mulher brasileira! E, na mesma semana em que isso se escreve, deixa-se, sem protesto, que os cinematógrafos abram as suas portas, em dias de moda, para a exibição de fitas cujas situações são de uma lascívia baixa e revoltante... Tão intenso é o desejo de asfixiar as tentativas sérias de um teatro no Brasil, que se vai ao ponto de afirmar ser impossível um drama social no teatro brasileiro, porque a nossa vida, a vida do Rio de Janeiro, nunca viu esses casos pungentes!
Não se pode conceber má fé mais organizada. Deve-se desanimar diante disso? Não, não e não. Por maiores que sejam as perversidades, alguma coisa há de ficar desse esforço. E, sobretudo, o que deve estar sempre presente nos que se empenham no movimento é a certeza inteligente de que não há nada de mais certo do que a final normalidade do teatro no Brasil. Como todas as coisas más, a situação de agora passará. Não há maior insensatez do que supor alguém que o teatro é uma arte impossível para um dos povos mais inteligentes do mundo.
Oscar Lopes


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PAIZ – 6/12/1912

O TEATRO NACIONAL – O ENTUSIASMO DA PLATEIA – O DIA SEGUINTE: A CRÍTICA – AS REVISTINHAS E O TEATRO SÉRIO – A MORAL NO TEATRO E NO CINEMATÓGRAFO – AS OUTRAS ARTES E O TEATRO NO BRASIL.

Na noite de 1º do corrente o suntuoso palácio da Municipalidade abriu as suas portas para uma nova tentativa de teatro nacional. Tinha decorrido um longo período de profundo desânimo, durante o qual vigorosamente floresceram as artes parasitárias do teatro. Os elementos que há muitos anos vivem por aí aos trancos, como que de uma vez por todas se haviam dispersado, aniquilados por todas as provações e sem piedade batidos por todos os reveses. Um homem que a uma bela coragem alia a sua já agora indiscutível competência, consegue reunir num elenco o que de melhor havia nesses elementos e amparado pelos poderes do Distrito Federal se propõe a demonstrar que não era uma utopia o teatro normal no Rio de Janeiro. Estava nessa prova pública uma perigosa cartada a jogar. Ganhá-la seria uma dessas vitórias que caracterizam a vida de um homem. Mas perde-la, seria arrastar na derrota as derradeiras esperanças que porventura existissem nos elementos congregados para a decisiva batalha.
Em tais condições, pode-se bem imaginar qual era o estado d’alma das pessoas que sinceramente se interessam pelo nosso teatro e que assistiram ao levantar do pano para a inauguração da temporada oficial.
A primeira impressão, diante de uma cena aberta, é sempre uma indicação para o resultado definitivo, seja o êxito, seja o insucesso. Nessa noite, a primeira impressão foi boa: a impressão definitiva foi melhor. Quem enchia a plateia – e literalmente a enchia – era a assinalada assembléia de damas e cavalheiros que no seu conjunto emprestam às principais salas de espetáculo do Rio aquele aspecto de beleza e elegância que os cronistas mundanos habitualmente denominam de solene e que nas grandes recitas do sempre augusto teatro Lírico, tradição viva da nossa sociedade, atinge a um esplendor que se não deixou ainda usurpar.
Que significava essa excepcional concorrência da nata da sociedade carioca a mais um esforço em favor do teatro brasileiro, da qual ela quase sempre andou arredia? Significava boa vontade, curiosidade, interesse, simpatia? Tudo isso, evidentemente. Esse lisonjeiro sintoma, entretanto, vinha arriscar ainda mais a cartada.
Ao fechar-se o velário do primeiro ato da peça da ilustre escritora D. Julia Lopes de Almeida a cartada estava ganha. Triunfara plenamente a competência de Eduardo Victorino – o homem ousado e hábil que a inteligência do infatigável Coelho Netto fôra buscar para dirigir a grande prova.
A conversa dos corredores confirmava o entusiasmo da sala. Em todas as bocas era espontâneo o louvor para o ingente, para o considerável esforço. O interesse da peça, a correção dos artistas, a propriedade dos cenários, tudo isso, capaz de atrair o público, era elogiado com abundância de coração. As ovações ao fim do terceiro ato do drama Quem não perdoa..., feitas estando toda a gente de pé, coroaram generosamente a feliz experiência. A autora, os artistas e o empresário recebiam desse modo uma justa homenagem.
A todas as pessoas que constituíram plateia tão calorosa estava reservada na manhã seguinte, à leitura dos jornais, uma desagradável surpresa: algumas das notícias críticas da festa estavam simplesmente ferozes. Nelas tudo era arrasado sem piedade, a peça, o desempenho, tudo. Tais críticas deviam ter dado aos leitores que não haviam comparecido na véspera ao Municipal a impressão de um desastre completo. As outras, porém, testemunhas da vitória e partes nos ardentes aplausos, elas vieram trazer a certeza de uma clamorosa injustiça. Pois, que? Os jornais que imprimem diariamente os mais francos elogios às mais pífias revistinhas de cinematógrafos, reservam exatamente todo o seu rigor para um movimento honesto de arte séria? Os jornais que acham encantadoras e esfuziantes de graça as coplas das burletas servidas por sessões, que não medem adjetivos para classificar as funções dos circos de cavalinhos, enrijam a férula da crítica somente quando um grupo bem intencionado pensa em estabelecer o teatro nacional? Por que não adotaram outros, por exemplo, o critério da modelar crítica do Jornal do Commercio?
Qual é a razão dessa intolerância, dessa má vontade. É claro que se não deseja um laissez-aller desairoso. Mas, o que se devia legitimamente esperar era uma atitude que significasse interesse para um esforço de tanta responsabilidade e de tão clara repercussão no futuro.
Fenômeno sem explicação plausível, o teatro tem vivido no Brasil à custa de sacrifícios enormes e chegou a um ponto extremo de miséria orgânica. Pregoeiros fúnebres anunciavam o seu irremediável desaparecimento, a falta de dramaturgos e de interpretes. Pensa-se em soerguer o moribundo. Um sopro de vida o anima. Em vez do pobre encontrar apoio nos circunstantes, vê face a face uma fileira de punhos cerrados que o ameaçam e uma teoria de bocas cerradas que lhe dizem: “Morre danado! Deverás morrer, pois que, se vivesses, nós estaríamos desmoralizados. Temos dito que a tua existência é impossível. A tua vida será a nossa vergonha. É exato que temos tudo: poetas, romancistas, filósofos, críticos, pintores, escultores, músicos, arquitetos. Gente de teatro é que não deveremos ter. Tem paciência! recebe mais este ponta-pé e ... morre!”
Tão viva é a grita contra o ressurgimento do teatro que se chega ao ponto de adulterar o pensamento de um autor para insinuar-se que a sua peça, é um insulto à sociedade, à mulher brasileira! E, na mesma semana em que isso se escreve, deixa-se, sem protesto, que os cinematógrafos abram as suas portas, em dias de moda, para a exibição de fitas cujas situações são de uma lascívia baixa e revoltante... Tão intenso é o desejo de asfixiar as tentativas sérias de um teatro no Brasil, que se vai ao ponto de afirmar ser impossível um drama social no teatro brasileiro, porque a nossa vida, a vida do Rio de Janeiro, nunca viu esses casos pungentes!
Não se pode conceber má fé mais organizada. Deve-se desanimar diante disso? Não, não e não. Por maiores que sejam as perversidades, alguma coisa há de ficar desse esforço. E, sobretudo, o que deve estar sempre presente nos que se empenham no movimento é a certeza inteligente de que não há nada de mais certo do que a final normalidade do teatro no Brasil. Como todas as coisas más, a situação de agora passará. Não há maior insensatez do que supor alguém que o teatro é uma arte impossível para um dos povos mais inteligentes do mundo.
Oscar Lopes


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