segunda-feira, 4 de março de 2013

Ator João Barbosa Dey-Burus


GAZETA – 04/02/1912
TEATRO NACIONAL
Recebemos a seguinte carta: “Sr. redator – Peço agasalho nas colunas do vosso brilhante periódico, para um protesto e um desabafo, sob todos os pontos de vista justo, honesto e de supremo direito.
Ator brasileiro, e por isso, como todos os meus colegas, atirado ao mais atroz indiferentismo e esmagador obscurantismo, sorrio-me, a alma alegre e prazenteira quando fui convidado para fazer parte da companhia dramática, que sob a direção de Eduardo Victorino ia no Teatro Municipal, encetar uma época oficial, promissora da fundação do verdadeiro teatro-escola nacional.
E nem só a mim, luzia essa esperança, que era acalentada por todos os meus companheiros de trabalho, assim como por todos aqueles que, nesta terra, ainda se preocupam com os destinos da malograda arte dramática.
Qual, porém, não foi o nosso pasmo, ao sabermos que na véspera do dia, em que se devia realizar o primeiro espetáculo dessa prova artística para a qual se haviam empregado todos os esforços, todos os sacrifícios e as nossas derradeiras ilusões; a Prefeitura, havia assinado com uma companhia estrangeira, um contrato de três anos!
Chega a ser dolorosamente triste e inacreditável, tal acontecimento!
Pois, então, o Conselho Municipal, vota uma verba de setenta contos, para início de uma temporada subvencionada, que serviria de experiência para a fundação da definitiva companhia nacional; e, antes que se pudesse avaliar da sua competência, do valor literário das peças, dos benefícios que essa tentativa traria a literatura e arte dramática patrícias, entrega-se a estranhos aquilo que de direito nos pertence?
Qual o diretor, quais os artistas que aceitariam um contrato por dois meses apenas, se não contassem com um futuro mais próspero, justo prêmio dos seus esforços e do seu trabalho?!
A prova de que se pode fazer mais do que esperavam o indiferentismo e o “snobismo” patrício (mal grado alguns despeitos mal disfarçados) demo-la no dia 1 deste mês, diante do Exmo. Sr. presidente da República, diante do Exmo. Sr. general prefeito, nas ovações de que foram testemunhas; no dia seguinte ao que era assinado um contrato que mais uma vez nos fechava a porta do casarão dourado, onde sob o pretexto de nos proteger a Prefeitura enterrou milhares de contos.
Fique aqui lavrado o nosso protesto enérgico, contra o esbulho que nos fazem.
É supremamente vexatório e desolador, o descaso, o menosprezo, a indiferença com que pelos homens do governo, são tratados os atores e os artistas dramáticos brasileiros.
Ainda nenhuma das companhias estrangeiras incensadas pela crítica, exibiu no Teatro Municipal, uma peça montada com a propriedade e o capricho com que foi representado o trabalho de D. Julia Lopes e com que serão levados à cena os que se seguirem.
Quando depois da nossa temporada, nesta pátria madrasta, “os salvadores da arte dramática”, nas estafantes crônicas, bocejarem que não temos teatro, não se esqueçam de acrescentar que temos tudo, menos honestidade e patriotismo nos atos e nos fitos daqueles que nos governam.
Cidade adiantada a nossa! Irrisão! Capital dos “parvenus” dos políticos, dos “burgueses enfatuados”, supinamente ignorantes em matéria de Arte.
Fique de pé o meu protesto de artista, de brasileiro indignado, contra esse atentado criminoso que acaba de ser praticado.
E viva a bambochata por sessões! Numa terra em que tanto se pincha e cabriola na arena da politicagem, é justo que o teatro reflita os esgares dos “clown”. 03/10/1912  Ator João Barbosa Dey-Burus.


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