NOTÍCIA –
2/10/1912
A ESTAÇÃO TEATRAL
A peça de D. Julia Lopes
Com uma excelente casa, uma linda plateia
inaugurou-se ontem no Teatro Municipal a temporada oficial deste ano, com a
estreia da companhia dramática, organizada pelo Sr. Eduardo Victorino.
Representou-se a peça em três atos de D. Julia
Lopes de Almeida Quem não perdoa.
- Que vem a ser a peça?...
A peça é isto: Uma senhora viúva vive com sua filha
e fica na contingência de ir vendendo os móveis.
Um dia, após a mãe ter negociado com o belchior
Beirão a mobília e o piano, entra a filha um tanto alvoroçada, participando à
mãe que tem alguma coisa a dizer-lhe.
Ilda diz a sua mãe que dentro em poucos minutos um
moço virá pedi-la em casamento. Admiração de D. Elvira. Ilda conhecera-o em
casa de umas alunas suas. E amara-o.
O Dr. Gustavo Ribas é recebido por D. Elvira, que
lhe conta logo a vida e todas as dificuldades do seu lar, aconselhando-o a
pensar bem, a refletir muito. Gustavo sai e Ilda que, naturalmente estava à
espreita, entra e cai nos braços da mãe.
No segundo ato, em casa de Ilda, há doze anos
casada com Gustavo, sua mãe consegue dela o juramento de que se ela chegar a
amar outro homem, que não o seu marido, se sacrificará, mantendo pura a sua
união com Gustavo. E conta que ela se havia também sacrificado. Vão chegando
visitas – um casal, tios do marido de Ilda; um amigo da casa, o Sr. Fausto; um
empregado de Gustavo... Sabe-se então que o marido de Ilda tem uma amante, a
mulher do capitão Elias. As visitas saem, saem assim como D. Elvira, que vai
fazer umas compras.
Ao retirar-se Ilda para o interior, Fausto, que
ficara, conta a Gustavo que lhe disseram estar o Dr. Ramires, apaixonado por
sua mulher. Gustavo pensa logo que sua mulher tem um amante.
Mal eles saem, Ilda despacha os criados em serviços
demorados. É a hora da entrevista, a primeira e a única. Ramires chega.
Declarações de amor. Ela já sabe que ele vai partir. Mandou chamá-lo para a
despedida.
No momento de trocarem o beijo, chega o marido.
Desvairado mata a mulher. Corre em procura de Ramires, que saíra, por uma outra
porta, porque a casa tem duas entradas. Nisso a mãe de Ilda chega da cidade.
Entra despreocupadamente. A filha já estava morta.
No dia do júri de Gustavo – é o terceiro ato – os
tios, em casa dele, preparam a recepção. Certo, virá alguém. Chegam umas
vizinhas, alguns amigos e por fim, Gustavo com o advogado e íntimos. Há música,
canto, discursos, champagne. Gustavo sente-se aborrecido. Os visitantes saem. E
ele fica só. Nesse momento, chega a mãe de Ilda. Atira-lhe ao rosto todas as
dores que sente e, como mãe, é “quem não perdoa”: mata-o.
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A peça de D. Julia Lopes é um caso de observação da
nossa sociedade burguesa. Há apenas, durante os três atos assassinatos
demais... No primeiro ato, de exposição, não deixou de parecer estranho que uma
menina, morando com a mamã, tenha um noivo e que esta só no dia do pedido
oficial venha a ouvir pela primeira vez o nome do seu futuro genro. Não parece
igualmente bem observado o rosário de coisas tristes com que a mamã abre todas
as suas intimidades a um homem que vê pela primeira vez. No 2º ato há uma série
de coincidências estranhas, sendo talvez a maior delas aquela entrevista, na
própria casa da mulher casada que a marca, aquele rápido assassinato a faca,
aquela morte rápida, sem um grito – pois que de faca não se morre assim tão
calmamente, como ontem, tranquilamente morreu D. Lucilia Peres... Depois, o
grito e tombo da mamã, antes de se certificar de que a filha está morta,
parecem precipitados. Mas tudo isso talvez seja simples questão de rubrica.
A peça, que é bastante impressionante, ás vezes,
tem de vez em quando essas pequeninas “descaídas” que fazem com que o espectador
não a ache de todo natural.
D. Julia Lopes possuidora de um empolgante talento
dramático, como o demonstrou cabalmente em todos os três finais de atos, não
deixa de mostrar na sua peça uma certa inexperiência na “carpintaria” teatral,
o que faz com que a peça “Quem não perdoa” falta de vez em quando uma
determinada naturalidade. A entrada por exemplo daquele Fausto, no 2º ato, sem
propósito nenhum, só para avisar o marido do que se anda a dizer da virtude da
sua mulher, e a aconselhá-lo para que mande a mulher para uma fazenda, parece
um enxerto bem pouco natural.
O 3º ato é um tanto episódico, para dar lugar à
grande cena final, o 2º assassinato, em que a sogra apunhala o genro.
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- E o desempenho?...
Maria Falcão, Ferreira de Souza, Luiza de Oliveira,
bem. D. Lucilia Peres não soube morrer. Ramos foi ás vezes de um ímpeto
exagerado e que com certeza não está na rubrica da peça. João Barbosa, que não
tinha papel, tinha em compensação uma gravata horrenda. A Sra. Corina Fróes, no
1º ato, deu o seu recado um tanto às pressas. O ator Octavio Rangel foi bem. Os
outros, assim. É de louvar entretanto o esforço do Sr. Eduardo Victorino,
competente e enérgico que em poucos dias pôde mostrar aos descrentes que nós
podemos ter Teatro no dia em que houver um pouco de boa vontade.
A peça está muito decentemente montada. Os cenários
de Jayme Silva, Lazary e Joaquim dos Santos mostram bem que neste capítulo nós
nada temos a invejar o que vem de fora.
Nos finais de ato, a sala que estava repleta fez
extraordinárias ovações à autora e aos artistas.
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