SÉCULO – 3/10/1912
TEATROS
Teatro Municipal – QUEM NÃO PERDOA, de D. Julia Lopes de Almeida
Começou anteontem o novo tentamen do ressurgimento, ou melhor, da fundação da arte dramática nacional, coisa que nunca tivemos de fato senão em experiências sempre falhas de resultado prático.
Será tempo perdido, como aconteceu com os esforços de Arthur Azevedo, o maior batalhador dessa ideia, em 1908, no Teatrinho da Exposição? Ninguém o sabe ainda. É verdade que a gente desse novo ensaio tem muito boa vontade, mas isto não basta muita vez: é necessário haver muita persistência e um pouco de estoicismo para sofrer sem zanga os reparos da crítica.
Não é menos verdade que esta, a crítica, não deve mover a esse grupo, que se bate por um desideratum tão patriótico na esfera da arte, um combate sistemático, porém, seria não auxiliar a execução desse movimento, não fazer reparos do que não estiver bom, julgando com falso otimismo a nova companhia nacional apenas por patriotismo, quando, é sabido, que a Arte não tem pátria. Os reparos da crítica são apenas conselhos que devem ser seguidos e não perfídias destruidoras do alheio esforço.
Oxalá sejam bem sucedidos.
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A peça (como dizem os cartazes) da distinta escritora D. Julia Lopes de Almeida, que é uma verdadeira tragédia não está fadada a resistir em cena por muitos dias.
Na Quem não perdoa há um pouco da falta de feitura teatral, sucedendo, sem o devido preparo das situações, a cenas monotonamente frias e sem movimento, outras tragicamente violentas, havendo assim contrastes pouco humanos e teatrais.
Dois dos principais personagens, que não deixam perceber bem os seus traços psicológicos, transformam-se do 1º para o 2º ato sem que o espectador saiba a razão dessa mudança de gênios.
Um deles principalmente, Ilda, moça criada com todo o rigor da virtude e na escola da pobreza, logo no primeiro amor criminoso que sente, é ela, e não o amante, que marca um rendez-vous, em sua própria casa e em uma sala toda envidraçada, quando podia, pelo menos, ser em um apartamento mais discreto, e tudo depois de ouvir um sermão de moral de sua velha mãe, já desconfiada.
Na prática Ildaseria mais previdente.
Talvez justifique o grande número de personagens de enchimento, a dificuldade, encontrada pela distinta escritora, de movimentar certas cenas.
A tese da peça é meio obscura e aquela que se pode perceber é de mau ensinamento e perigosa, principalmente na época em que atravessamos: é a lei de Linch, olho por olho, dente por dente; a justiça por suas próprias mãos.
O final da peça tem atualidade flagrante – a... bondade do júri.
No diálogo e na linguagem é que a distinta autora venceu, pois que nesse ponto a sua obra é merecedora dos mais francos elogios, tendo frases de grande felicidade e mesmos algumas de profunda observação filosófica. Foram por isso muito justos os aplausos recebidos pela distinta escritora na noite da prémiere de sua peça, e, a esses, juntamos os nossos.
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Fazendo esta apreciação pedimos à ilustre escritora que não leve a mal os nossos reparos. Eles visam chamar a atenção da eminente patrícia para certos descuidos que, evitados em outros trabalhos, mais elevam o nome já laureado da autora da Intrusa.
Quem tem uma bagagem literária tão escolhida como D. Julia Lopes e quem mesmo no Teatro, já triunfou galhardamente com A Herança, representada na Exposição, não vai cair do pedestal da sua grandeza com os senões salientados em sua última produção teatral.
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O desempenho foi bem regular, não sendo mesmo esperado melhor, em uma companhia formada em tão pouco tempo e com elementos heterogêneos.
A Sra. Lucilia Peres fez com bastante propriedade e correção o papel de Ilda, foi natural na confusão e vergonha quando, no 1º ato, confessa a sua progenitora o seu amor pelo moço que daí a momentos virá pedi-la em casamento; mas, não compreendemos a sua agonia, e o seu pavor, e suas lágrimas, quando, no 2º ato, ouve de sua mãe os conselhos de fugir dos amores ilícitos, conselhos de quem percebe qualquer coisa, no horizonte.
O interesse do personagem devia ser de esconder, o mais cuidadosamente possível, a sua confusão e não deixá-la transparecer aos olhos mais ingênuos, como fez a Sra. Lucilia.
Do papel de Elviraa Sra. Maria Falcão desempenhou-se a contento geral.
Outro tanto aconteceu com o Sr. Antonio Ramos que fez o papel de Gustavo Ribas: a sua confusão ao explicar a sua presença em casa de D. Elvira, foi natural; nas suas explosões de arrebatamento havia muito de verdade, mas no 2º ato teve várias crises de indiferença, em cenas de interesse.
O diabo foi que o Sr. Ramos depois da matar Ilda, sai à procura do amante dela, esquecendo-se da faca, que era a sua arma.
Não gostamos francamente do Sr. João Barboza, na cena da confidência, no 2º ato. O Faustovai dizer ao amigo, que sabe ser arrebatado e violento, o que dizem da sua esposa com o engenheiro Manoel Ramires, e, em vez de dizer em tom confidencial, põe-se a declamar muito ereto toda a história e no mesmo tom e atitude vai pedindo calma e acaba sentando-se em um divan, longe do amigo, atormentado pelo ciúme e pela dúvida.
No último ato o Sr. Barboza se manteve no mesmo diapasão, quando se devia mostrar contente com a liberdade do amigo.
Ferreira de Souza, no Jacintho Vieira, e Luiza de Oliveira, no papel de Angela, foram muito bem.
Octavio Rangel foi um tanto exagerado no seu pequeno papel de Beirão, o egoísta.
Os demais papéis sem importância. Merece porém uma referência uma senhora que fez uma ponta, cantando desafinadamente uma canção de Alberto Nepomuceno e saiu de cena exageradamente.
Foi a Sra. Fulvia Castello Branco.
A peça estava sabida na ponta da língua e bem ensaiada.
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Os cenários são ótimos e é de justiça deixar aqui os nomes de seus autores, os jovens cenógrafos patrícios Angelo Lazary, Jayme Silva e Joaquim Santos.
A mise-en-scènefoi cuidadosa e própria, exceto na presença de duas moderníssimas cadeiras de balanço, americanas, em casa de uma senhora que vendia já os trastes que tinha há muitos anos para pagar a conta do armazém.
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A concorrência no primeiro espetáculo foi enorme. No segundo, porém, havia muito menos de meia casa.
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