sábado, 20 de julho de 2013

SÉCULO – 3/10/1912
TEATROS
Teatro Municipal – QUEM NÃO PERDOA, de D. Julia Lopes de Almeida
Começou anteontem o novo tentamen do ressurgimento, ou melhor, da fundação da arte dramática nacional, coisa que nunca tivemos de fato senão em experiências sempre falhas de resultado prático.
Será tempo perdido, como aconteceu com os esforços de Arthur Azevedo, o maior batalhador dessa ideia, em 1908, no Teatrinho da Exposição? Ninguém o sabe ainda. É verdade que a gente desse novo ensaio tem muito boa vontade, mas isto não basta muita vez: é necessário haver muita persistência e um pouco de estoicismo para sofrer sem zanga os reparos da crítica.
Não é menos verdade que esta, a crítica, não deve mover a esse grupo, que se bate por um desideratum tão patriótico na esfera da arte, um combate sistemático, porém, seria não auxiliar a execução desse movimento, não fazer reparos do que não estiver bom, julgando com falso otimismo a nova companhia nacional apenas por patriotismo, quando, é sabido, que a Arte não tem pátria. Os reparos da crítica são apenas conselhos que devem ser seguidos e não perfídias destruidoras do alheio esforço.
Oxalá sejam bem sucedidos.
********************
A peça (como dizem os cartazes) da distinta escritora D. Julia Lopes de Almeida, que é uma verdadeira tragédia não está fadada a resistir em cena por muitos dias.
Na Quem não perdoa há um pouco da falta de feitura teatral, sucedendo, sem o devido preparo das situações, a cenas monotonamente frias e sem movimento, outras tragicamente violentas, havendo assim contrastes pouco humanos e teatrais.
Dois dos principais personagens, que não deixam perceber bem os seus traços psicológicos, transformam-se do 1º para o 2º ato sem que o espectador saiba a razão dessa mudança de gênios.
Um deles principalmente, Ilda, moça criada com todo o rigor da virtude e na escola da pobreza, logo no primeiro amor criminoso que sente, é ela, e não o amante, que marca um rendez-vous, em sua própria casa e em uma sala toda envidraçada, quando podia, pelo menos, ser em um apartamento mais discreto, e tudo depois de ouvir um sermão de moral de sua velha mãe, já desconfiada.
Na prática Ildaseria mais previdente.
Talvez justifique o grande número de personagens de enchimento, a dificuldade, encontrada pela distinta escritora, de movimentar certas cenas.
A tese da peça é meio obscura e aquela que se pode perceber é de mau ensinamento e perigosa, principalmente na época em que atravessamos: é a lei de Linch, olho por olho, dente por dente; a justiça por suas próprias mãos.
O final da peça tem atualidade flagrante – a... bondade do júri.
No diálogo e na linguagem é que a distinta autora venceu, pois que nesse ponto a sua obra é merecedora dos mais francos elogios, tendo frases de grande felicidade e mesmos algumas de profunda observação filosófica. Foram por isso muito justos os aplausos recebidos pela distinta escritora na noite da prémiere de sua peça, e, a esses, juntamos os nossos.
*********************
Fazendo esta apreciação pedimos à ilustre escritora que não leve a mal os nossos reparos. Eles visam chamar a atenção da eminente patrícia para certos descuidos que, evitados em outros trabalhos, mais elevam o nome já laureado da autora da Intrusa.
Quem tem uma bagagem literária tão escolhida como D. Julia Lopes e quem mesmo no Teatro, já triunfou galhardamente com A Herança, representada na Exposição, não vai cair do pedestal da sua grandeza com os senões salientados em sua última produção teatral.
***********************
O desempenho foi bem regular, não sendo mesmo esperado melhor, em uma companhia formada em tão pouco tempo e com elementos heterogêneos.
A Sra. Lucilia Peres fez com bastante propriedade e correção o papel de Ilda, foi natural na confusão e vergonha quando, no 1º ato, confessa a sua progenitora o seu amor pelo moço que daí a momentos virá pedi-la em casamento; mas, não compreendemos a sua agonia, e o seu pavor, e suas lágrimas, quando, no 2º ato, ouve de sua mãe os conselhos de fugir dos amores ilícitos, conselhos de quem percebe qualquer coisa, no horizonte.
O interesse do personagem devia ser de esconder, o mais cuidadosamente possível, a sua confusão e não deixá-la transparecer aos olhos mais ingênuos, como fez a Sra. Lucilia.
Do papel de Elviraa Sra. Maria Falcão desempenhou-se a contento geral.
Outro tanto aconteceu com o Sr. Antonio Ramos que fez o papel de Gustavo Ribas: a sua confusão ao explicar a sua presença em casa de D. Elvira, foi natural; nas suas explosões de arrebatamento havia muito de verdade, mas no 2º ato teve várias crises de indiferença, em cenas de interesse.
O diabo foi que o Sr. Ramos depois da matar Ilda, sai à procura do amante dela, esquecendo-se da faca, que era a sua arma.
Não gostamos francamente do Sr. João Barboza, na cena da confidência, no 2º ato. O Faustovai dizer ao amigo, que sabe ser arrebatado e violento, o que dizem da sua esposa com o engenheiro Manoel Ramires, e, em vez de dizer em tom confidencial, põe-se a declamar muito ereto toda a história e no mesmo tom e atitude vai pedindo calma e acaba sentando-se em um divan, longe do amigo, atormentado pelo ciúme e pela dúvida.
No último ato o Sr. Barboza se manteve no mesmo diapasão, quando se devia mostrar contente com a liberdade do amigo.
Ferreira de Souza, no Jacintho Vieira, e Luiza de Oliveira, no papel de Angela, foram muito bem.
Octavio Rangel foi um tanto exagerado no seu pequeno papel de Beirão, o egoísta.
Os demais papéis sem importância. Merece porém uma referência uma senhora que fez uma ponta, cantando desafinadamente uma canção de Alberto Nepomuceno e saiu de cena exageradamente.
Foi a Sra. Fulvia Castello Branco.
A peça estava sabida na ponta da língua e bem ensaiada.
********************
Os cenários são ótimos e é de justiça deixar aqui os nomes de seus autores, os jovens cenógrafos patrícios Angelo Lazary, Jayme Silva e Joaquim Santos.
A mise-en-scènefoi cuidadosa e própria, exceto na presença de duas moderníssimas cadeiras de balanço, americanas, em casa de uma senhora que vendia já os trastes que tinha há muitos anos para pagar a conta do armazém.
********************
A concorrência no primeiro espetáculo foi enorme. No segundo, porém, havia muito menos de meia casa.

VISITE TAMBÉM

SÉCULO – 3/10/1912
TEATROS
Teatro Municipal – QUEM NÃO PERDOA, de D. Julia Lopes de Almeida
Começou anteontem o novo tentamen do ressurgimento, ou melhor, da fundação da arte dramática nacional, coisa que nunca tivemos de fato senão em experiências sempre falhas de resultado prático.
Será tempo perdido, como aconteceu com os esforços de Arthur Azevedo, o maior batalhador dessa ideia, em 1908, no Teatrinho da Exposição? Ninguém o sabe ainda. É verdade que a gente desse novo ensaio tem muito boa vontade, mas isto não basta muita vez: é necessário haver muita persistência e um pouco de estoicismo para sofrer sem zanga os reparos da crítica.
Não é menos verdade que esta, a crítica, não deve mover a esse grupo, que se bate por um desideratum tão patriótico na esfera da arte, um combate sistemático, porém, seria não auxiliar a execução desse movimento, não fazer reparos do que não estiver bom, julgando com falso otimismo a nova companhia nacional apenas por patriotismo, quando, é sabido, que a Arte não tem pátria. Os reparos da crítica são apenas conselhos que devem ser seguidos e não perfídias destruidoras do alheio esforço.
Oxalá sejam bem sucedidos.
********************
A peça (como dizem os cartazes) da distinta escritora D. Julia Lopes de Almeida, que é uma verdadeira tragédia não está fadada a resistir em cena por muitos dias.
Na Quem não perdoa há um pouco da falta de feitura teatral, sucedendo, sem o devido preparo das situações, a cenas monotonamente frias e sem movimento, outras tragicamente violentas, havendo assim contrastes pouco humanos e teatrais.
Dois dos principais personagens, que não deixam perceber bem os seus traços psicológicos, transformam-se do 1º para o 2º ato sem que o espectador saiba a razão dessa mudança de gênios.
Um deles principalmente, Ilda, moça criada com todo o rigor da virtude e na escola da pobreza, logo no primeiro amor criminoso que sente, é ela, e não o amante, que marca um rendez-vous, em sua própria casa e em uma sala toda envidraçada, quando podia, pelo menos, ser em um apartamento mais discreto, e tudo depois de ouvir um sermão de moral de sua velha mãe, já desconfiada.
Na prática Ilda seria mais previdente.
Talvez justifique o grande número de personagens de enchimento, a dificuldade, encontrada pela distinta escritora, de movimentar certas cenas.
A tese da peça é meio obscura e aquela que se pode perceber é de mau ensinamento e perigosa, principalmente na época em que atravessamos: é a lei de Linch, olho por olho, dente por dente; a justiça por suas próprias mãos.
O final da peça tem atualidade flagrante – a... bondade do júri.
No diálogo e na linguagem é que a distinta autora venceu, pois que nesse ponto a sua obra é merecedora dos mais francos elogios, tendo frases de grande felicidade e mesmos algumas de profunda observação filosófica. Foram por isso muito justos os aplausos recebidos pela distinta escritora na noite da prémiere de sua peça, e, a esses, juntamos os nossos.
*********************
Fazendo esta apreciação pedimos à ilustre escritora que não leve a mal os nossos reparos. Eles visam chamar a atenção da eminente patrícia para certos descuidos que, evitados em outros trabalhos, mais elevam o nome já laureado da autora da Intrusa.
Quem tem uma bagagem literária tão escolhida como D. Julia Lopes e quem mesmo no Teatro, já triunfou galhardamente com A Herança, representada na Exposição, não vai cair do pedestal da sua grandeza com os senões salientados em sua última produção teatral.
***********************
O desempenho foi bem regular, não sendo mesmo esperado melhor, em uma companhia formada em tão pouco tempo e com elementos heterogêneos.
A Sra. Lucilia Peres fez com bastante propriedade e correção o papel de Ilda, foi natural na confusão e vergonha quando, no 1º ato, confessa a sua progenitora o seu amor pelo moço que daí a momentos virá pedi-la em casamento; mas, não compreendemos a sua agonia, e o seu pavor, e suas lágrimas, quando, no 2º ato, ouve de sua mãe os conselhos de fugir dos amores ilícitos, conselhos de quem percebe qualquer coisa, no horizonte.
O interesse do personagem devia ser de esconder, o mais cuidadosamente possível, a sua confusão e não deixá-la transparecer aos olhos mais ingênuos, como fez a Sra. Lucilia.
Do papel de Elvira a Sra. Maria Falcão desempenhou-se a contento geral.
Outro tanto aconteceu com o Sr. Antonio Ramos que fez o papel de Gustavo Ribas: a sua confusão ao explicar a sua presença em casa de D. Elvira, foi natural; nas suas explosões de arrebatamento havia muito de verdade, mas no 2º ato teve várias crises de indiferença, em cenas de interesse.
O diabo foi que o Sr. Ramos depois da matar Ilda, sai à procura do amante dela, esquecendo-se da faca, que era a sua arma.
Não gostamos francamente do Sr. João Barboza, na cena da confidência, no 2º ato. O Fausto vai dizer ao amigo, que sabe ser arrebatado e violento, o que dizem da sua esposa com o engenheiro Manoel Ramires, e, em vez de dizer em tom confidencial, põe-se a declamar muito ereto toda a história e no mesmo tom e atitude vai pedindo calma e acaba sentando-se em um divan, longe do amigo, atormentado pelo ciúme e pela dúvida.
No último ato o Sr. Barboza se manteve no mesmo diapasão, quando se devia mostrar contente com a liberdade do amigo.
Ferreira de Souza, no Jacintho Vieira, e Luiza de Oliveira, no papel de Angela, foram muito bem.
Octavio Rangel foi um tanto exagerado no seu pequeno papel de Beirão, o egoísta.
Os demais papéis sem importância. Merece porém uma referência uma senhora que fez uma ponta, cantando desafinadamente uma canção de Alberto Nepomuceno e saiu de cena exageradamente.
Foi a Sra. Fulvia Castello Branco.
A peça estava sabida na ponta da língua e bem ensaiada.
********************
Os cenários são ótimos e é de justiça deixar aqui os nomes de seus autores, os jovens cenógrafos patrícios Angelo Lazary, Jayme Silva e Joaquim Santos.
A mise-en-scène foi cuidadosa e própria, exceto na presença de duas moderníssimas cadeiras de balanço, americanas, em casa de uma senhora que vendia já os trastes que tinha há muitos anos para pagar a conta do armazém.
********************
A concorrência no primeiro espetáculo foi enorme. No segundo, porém, havia muito menos de meia casa.

VISITE TAMBÉM

domingo, 14 de julho de 2013

Observações sobre o tema da peça

FOLHA DO DIA – s/d
“Quem não perdoa”, Três atos, de D. Julia Lopes de Almeida

D. Julia Lopes de Almeida, escritora brasileira cujo nome não é estranho a quem se interessa pelas letras nacionais, foi buscar a “ideia” de sua peça “Quem não perdoa”, em um assunto que se desprende das variadas doutrinas sociais hoje em luta – a conservadora e a socialista.
Trata-se como deixamos dito ontem, de um crime admitido como a reabilitação da honra de um marido ultrajado, traído por uma esposa “desonesta”, que, parecendo valer-se de um direito adquirido pelo constante exemplo de “desafrontas a punhal”, mata a mulher “adúltera”, para depois receber a vingança desse assassínio virtuoso, da mão armada de uma “mãe” pesarosa, única, no meio de uma sociedade que recebe o marido reabilitado de braços abertos, que não concordara com o processo de “lavagens de honra”, com o sangue de seu sangue.
Fosse a peça de D. Julia Lopes de composição harmônica, desenvolvendo-se a ação pelo desdobramento natural dos fatos, embora aliados a episódios subsidiários, tais como as cenas cômicas com as quais se entremeia o entrecho, sem afastá-lo do elo principal; fosse o seu drama de uma evolução natural, lógica, resultando das consequências das várias situações criadas pela gradação dos efeitos, o seu tema teria assoberbado todo o auditório de anteontem e D. Julia Lopes logrado para si, outros aplausos muito diferentes das palmas com que foi saudada na estreia da Companhia Brasileira.
Porque afinal é bem procedente o protesto da mulher que sente a injustiça de um Código Penal, quando julga a entidade privilegiada que é o homem, em “um crime que não é crime”, em um delito cujos agentes provocadores a razão desconhece, mas que uma sociedade pretensiosa aponta como fruto de um sentimento de vindita, contra um ultraje à honra individual e à honestidade de uma família.
Porque não lhe assiste, a ela, mulher humana como o marido, o privilégio de meter uma bala na cabeça desse mesmo “Gustavo”, aliás como muitos Albertos e Andrés que por aí andam, porque teve também o seu amor próprio ferido, quando se disse em sua casa, e naturalmente já devia ter intimamente ciência do fato que ele a traíra, desfrutando, com a aprovação dos amigos, essa mulher leviana do Capitão Elias? Então é diferente a honestidade do marido, e são distintas a honra de um e de outra?
Infelizmente D. Julia Lopes , não soube fazer girar a sua peça em torno de uma situação dramática mais favorável, como por exemplo, o “Amor proibido”, e preferiu criar, em um meio onde se preconizava o sacrifício pela honra, pela tranquilidade do lar, até o ponto de alijar-se uma felicidade, que estava latente, um amor apaixonado de “D. Elvira” por um diplomata que não faz conhecimento com a plateia, dois tipos antipáticos de traidores, um no marido, o outro na mulher.
Para poder “desencadear” a sua peça, D. Julia Lopes, mata pela mão do marido, em plena cena, coisa já um tanto anacrônica no moderno teatro, essa “pobre” Ilda, que vivia em um ambiente de conforto e de riqueza, mas que “obedecera” aos seus “instintos hereditários”. E, não satisfeita com essa passagem trágica, que é extemporânea, descabida, inconsequente, não obedecendo à ligação íntima que têm todas as partes da ação dramática, ainda no fim do “drama” faz cair atravessado pelo ferro vingativo da mãe desditosa, esse marido retemperado pela absolvição “unânime” do júri, que, momentos antes, era recebido festivamente diante do retrato da infeliz adúltera, com risos e discursos.
Essas mortes assim inesperadas, que não parecem o desenlace produzido pela natural gradação do desdobramento da ação dramática, antes lembram um acidente fortuito para pretextarem a descida do pano, quando ainda o desencadeamento não atingiu o seu cúmulo, produzem, como é evidente, efeito diverso daquele almejado pelo autor tal como sucedeu no assassinato casual ou propositado, levado a efeito no final da peça do Sr. Guanabarino, “Ave Maria”, que o público recebeu como um desastre para por termo a peça.
Esses grandes senões, assinalados em dramas feitos por dramaturgos sem experiência, como também o diálogo em separado, deslocando completamente o terceiro personagem, que se exemplifica também na peça de D. Julia Lopes, fazem com que o interesse do público se afaste da ação principal do drama, distraindo-se com fatos que o autor introduz na peça, como subsídio à ação principal, mas que desenvolvem, em demasia, o entrecho essencial que precisa prevalecer.
Foi a impressão que nos deixou o original de D. Julia Lopes, aliás, perfeito e concatenado em alguns trechos, onde ela colocou personagens dramáticos de muita observação, que, apesar de complexos, foram bem compreendidos pelos artistas da Companhia Brasileira que se estreou no Teatro Municipal.
Sem dúvida, fossem esses caracteres dramáticos introduzidos em peça que não sofresse as dificuldades de individualização, em um drama por exemplo, real, simples, menos prolixo e mais verdadeiro, e D. Julia Lopes teria triunfado plenamente, isso porque tem o auxílio de um talento brilhante que a coloca privilegiadamente no nosso meio intelectual.

A.FONTE

VISITE TAMBÉM

Observações sobre o tema da peça

FOLHA DO DIA – s/d
“Quem não perdoa”, Três atos, de D. Julia Lopes de Almeida

D. Julia Lopes de Almeida, escritora brasileira cujo nome não é estranho a quem se interessa pelas letras nacionais, foi buscar a “ideia” de sua peça “Quem não perdoa”, em um assunto que se desprende das variadas doutrinas sociais hoje em luta – a conservadora e a socialista.
Trata-se como deixamos dito ontem, de um crime admitido como a reabilitação da honra de um marido ultrajado, traído por uma esposa “desonesta”, que, parecendo valer-se de um direito adquirido pelo constante exemplo de “desafrontas a punhal”, mata a mulher “adúltera”, para depois receber a vingança desse assassínio virtuoso, da mão armada de uma “mãe” pesarosa, única, no meio de uma sociedade que recebe o marido reabilitado de braços abertos, que não concordara com o processo de “lavagens de honra”, com o sangue de seu sangue.
Fosse a peça de D. Julia Lopes de composição harmônica, desenvolvendo-se a ação pelo desdobramento natural dos fatos, embora aliados a episódios subsidiários, tais como as cenas cômicas com as quais se entremeia o entrecho, sem afastá-lo do elo principal; fosse o seu drama de uma evolução natural, lógica, resultando das consequências das várias situações criadas pela gradação dos efeitos, o seu tema teria assoberbado todo o auditório de anteontem e D. Julia Lopes logrado para si, outros aplausos muito diferentes das palmas com que foi saudada na estreia da Companhia Brasileira.
Porque afinal é bem procedente o protesto da mulher que sente a injustiça de um Código Penal, quando julga a entidade privilegiada que é o homem, em “um crime que não é crime”, em um delito cujos agentes provocadores a razão desconhece, mas que uma sociedade pretensiosa aponta como fruto de um sentimento de vindita, contra um ultraje à honra individual e à honestidade de uma família.
Porque não lhe assiste, a ela, mulher humana como o marido, o privilégio de meter uma bala na cabeça desse mesmo “Gustavo”, aliás como muitos Albertos e Andrés que por aí andam, porque teve também o seu amor próprio ferido, quando se disse em sua casa, e naturalmente já devia ter intimamente ciência do fato que ele a traíra, desfrutando, com a aprovação dos amigos, essa mulher leviana do Capitão Elias? Então é diferente a honestidade do marido, e são distintas a honra de um e de outra?
Infelizmente D. Julia Lopes , não soube fazer girar a sua peça em torno de uma situação dramática mais favorável, como por exemplo, o “Amor proibido”, e preferiu criar, em um meio onde se preconizava o sacrifício pela honra, pela tranquilidade do lar, até o ponto de alijar-se uma felicidade, que estava latente, um amor apaixonado de “D. Elvira” por um diplomata que não faz conhecimento com a plateia, dois tipos antipáticos de traidores, um no marido, o outro na mulher.
Para poder “desencadear” a sua peça, D. Julia Lopes, mata pela mão do marido, em plena cena, coisa já um tanto anacrônica no moderno teatro, essa “pobre” Ilda, que vivia em um ambiente de conforto e de riqueza, mas que “obedecera” aos seus “instintos hereditários”. E, não satisfeita com essa passagem trágica, que é extemporânea, descabida, inconsequente, não obedecendo à ligação íntima que têm todas as partes da ação dramática, ainda no fim do “drama” faz cair atravessado pelo ferro vingativo da mãe desditosa, esse marido retemperado pela absolvição “unânime” do júri, que, momentos antes, era recebido festivamente diante do retrato da infeliz adúltera, com risos e discursos.
Essas mortes assim inesperadas, que não parecem o desenlace produzido pela natural gradação do desdobramento da ação dramática, antes lembram um acidente fortuito para pretextarem a descida do pano, quando ainda o desencadeamento não atingiu o seu cúmulo, produzem, como é evidente, efeito diverso daquele almejado pelo autor tal como sucedeu no assassinato casual ou propositado, levado a efeito no final da peça do Sr. Guanabarino, “Ave Maria”, que o público recebeu como um desastre para por termo a peça.
Esses grandes senões, assinalados em dramas feitos por dramaturgos sem experiência, como também o diálogo em separado, deslocando completamente o terceiro personagem, que se exemplifica também na peça de D. Julia Lopes, fazem com que o interesse do público se afaste da ação principal do drama, distraindo-se com fatos que o autor introduz na peça, como subsídio à ação principal, mas que desenvolvem, em demasia, o entrecho essencial que precisa prevalecer.
Foi a impressão que nos deixou o original de D. Julia Lopes, aliás, perfeito e concatenado em alguns trechos, onde ela colocou personagens dramáticos de muita observação, que, apesar de complexos, foram bem compreendidos pelos artistas da Companhia Brasileira que se estreou no Teatro Municipal.
Sem dúvida, fossem esses caracteres dramáticos introduzidos em peça que não sofresse as dificuldades de individualização, em um drama por exemplo, real, simples, menos prolixo e mais verdadeiro, e D. Julia Lopes teria triunfado plenamente, isso porque tem o auxílio de um talento brilhante que a coloca privilegiadamente no nosso meio intelectual.

A.FONTE

VISITE TAMBÉM

sexta-feira, 5 de julho de 2013

..."a apologia do adultério"

ÉPOCA – 3/10/1912

Primeiras
Teatro Municipal – Quem não perdoaPeça em 3 atos, de D. Julia Lopes de Almeida, pela Companhia Nacional Eduardo Victorino.
A peça de D. Julia Lopes, sobre cujo tema ontem nos referimos, resume-se no seguinte:
D. Elvira, uma senhora viúva, criara com dedicação imensa sua única filha Ilda.
Vivendo pobremente, a desvelada mãe tudo sacrificava para que nada faltasse a Ilda, que depois de moça apaixona-se por um jovem engenheiro, Gustavo, com quem se casa.
Uma vez casada, cercada de todo o conforto, sente na alma os primeiros sintomas de uma afeição nova, dedicando-se a um amigo da casa, Manoel Ramires.
Ama-o mesmo e, ao invés de receber de sua mãe, a quem tudo confessa, a condenação formal do seu tresloucado amor, esta pelo contrário, incita-lhe a prosseguir, observando-lhe tão somente que tudo faça por esconder de seu marido a sua nova paixão.
Gustavo, sabedor por Fausto, da infidelidade da esposa, exaspera-se e, gênio irascível, violento, zeloso da sua honra prestes a macular-se, possuído de justa cólera, apunhala a esposa na ocasião em que esta, nos braços de Ramires, confessava-lhe entre beijos e carícias a imensidade do seu amor. Cometido o crime, é Gustavo preso e processado. A justiça absolve-o unanimemente. E quando em sua casa o desditoso marido lamenta a sua sorte, após os risos de uma imprópria festa com que o recebem, aparece D. Elvira, que, pilhando-o só, o injuria e, presa de terrível vingança, (para nós simplesmente condenável) apunhala-o, sem que esse homem tão irascível, impulsivo e ludibriado, faça em seu favor o menor gesto de defesa.
Não compreendemos francamente, onde a impunidade punida.
A distinta autora da Quem não perdoa revolta-se contra a absolvição do uxoricida, verberando a sociedade que aplaude a sua liberdade. Entende que esse homem deve ser punido, porquanto lhe não cabia o direito de matar. E qual o modo por que supre a falta judiciária? Mata-o também, isto é, pune um crime com a prática de um outro crime. Como justificativa no caso, apresenta a dor da mãe desvelada que considera superior a do marido ultrajado.
É esta mãe que perde o seu filho pelo crime de ter com sangue lavado a nódoa de sua honra? Tinha o direito de matar também. E era então um nunca acabar de punir a impunidade matando.
Demais, qual a maior dor, a de mãe, por mais desvelada que seja, que vê morta a filha adúltera, ou a do marido a quem a esposa enxovalhou a honra? E se o remédio da punição está no crime, como considerar criminoso o marido que puniu matando?
A distinta autora de Quem não perdoa, no empenho de justificar o desfecho da sua peça, tenta preparar o espírito da assistência em seu favor, desde o 1º ato, pondo em evidência o grande amor de D. Elvirapor sua filha Ilda, como se isso servisse de justificativa ao ato de punir matando. E essa filha que assim procedeu, é perfeitamente um caso de hereditariedade psicológica, porquanto já sua mãe, em moça, com um ano apenas de casada, tentara macular a honra de seu velho pai e isso chegaria a fazer se para longe se não afastasse aquele a quem amava ilicitamente.
E isto mesmo é dito a Ilda por sua própria mãe, quando a tresloucada pensa em dedicar-se a outrem. É, repetimos o franco assentimento, com a agravante do terrível conselho: - que tudo faça por ocultar a seu marido, o criminoso amor que começa a despontar-lhe na alma.
Ilda era boa, meiga, custou muitos sacrifícios a sua mãe – toda aquela longa e fatigante história de sua infância contada no 1º ato – mas, mudou depois, e tudo isso desfaleceu em face da esposa criminosa que se tornou.
E desde que assim não seja, façamos logo a apologia do adultério.

Para o marido libertino, há o remédio da lei – o divórcio. Mas, punir o uxoricida matando-o, matar o homem que assassinou a esposa infiel nos braços do amante, sobrepondo desse modo a dor da mãe à dor do desonrado, é simplesmente intolerável e absurdo.

A autora, troçando o adultério, ridicularizando na figura do Capitão Elias, um infeliz marido, protege a adúltera para repelir o desonrado. Esse tipo de homem impotente para reagir é ridicularizado. Mas, se matasse a mulher, devia ser morto. E só aí então haveria uma impunidade a punir.
É, não há dúvida nenhuma, deveras singularíssima, a maneira pela qual a autora da Quem não perdoa resolveu punir a impunidade.
E o que se aproveita daqueles três atos enfadonhos, de cenas longas, onde existe contudo um pouquinho de técnica teatral, aliada alguma intensidade dramática, ás vezes um tanto exagerada? Pouca coisa. Aquele amor imenso de uma desventurada mãe por sua filha, a quem tudo desculpava e a quem vingou num ato de desespero. Era preciso punir de qualquer forma. Matar. Duas mortes em cena. E por isso Quem não perdoa descamba para os antigos dramas que a moderna escola não tolera.
Quanto ao título da peça, se bem que o terceiro, assim nos parece, achamos impróprio.
E não se agaste conosco a escritora brilhante, a quem tanto admiramos. É árdua a nossa tarefa. Mas o que fazer se aqui somos tão somente a crítica em face do autor?
Reconhecemos o grande mérito e talento da autora consagrada. Mas com franqueza o dizemos que Quem não perdoa não correspondeu em absoluto à nossa expectativa.
Quanto ao desempenho foi bom. E pelos motivos que já aqui expusemos, não nos era lícito pedir mais.
Do papel de D. Elvira, encarregou-se a Sra. Maria Falcão, que foi a alma da peça. Conduziu-se bem, com muita observação, merecendo francos elogios pela cena do 3º ato.
A Sra. Lucilia Peres foi a artista de sempre. Conscienciosa, comedida; deu ao papel deIlda um louvável desempenho. A Sra. Luiza de Oliveira, que jogou bem a cena da comédia do 2º ato, na interpretação de Angela, foi esplendida de naturalidade e bem se conduziu no seu pequeno papel de Sophia a Sra. Corina Fróes.
Destaquemos ainda os Srs. Antonio Ramos, Ferreira de Souza e João Barbosa. O primeiro pareceu-nos a contragosto no papel de Gustavo; o segundo um ótimo Vieira e João Barbosa num pequenino papel, foi bem.
Os demais artistas, sem exceção, senhores dos seus papéis, concorreram para o bom desempenho da peça.
Cabem ainda os mais francos aplausos ao Sr. Eduardo Victorino, pela maneira correta com que montou e ensaiou a nova peça.
Os cenários de Jayme Silva, Lazary e Joaquim Ramos, bons.
- E desse modo correu a inauguração da temporada do Municipal totalmente repleto de um fino público que fez à distinta escritora D. Julia Lopes as mais entusiásticas ovações.

VISITE TAMBÉM

..."a apologia do adultério"

ÉPOCA – 3/10/1912

Primeiras
Teatro Municipal – Quem não perdoaPeça em 3 atos, de D. Julia Lopes de Almeida, pela Companhia Nacional Eduardo Victorino.
A peça de D. Julia Lopes, sobre cujo tema ontem nos referimos, resume-se no seguinte:
D. Elvira, uma senhora viúva, criara com dedicação imensa sua única filha Ilda.
Vivendo pobremente, a desvelada mãe tudo sacrificava para que nada faltasse a Ilda, que depois de moça apaixona-se por um jovem engenheiro, Gustavo, com quem se casa.
Uma vez casada, cercada de todo o conforto, sente na alma os primeiros sintomas de uma afeição nova, dedicando-se a um amigo da casa, Manoel Ramires.
Ama-o mesmo e, ao invés de receber de sua mãe, a quem tudo confessa, a condenação formal do seu tresloucado amor, esta pelo contrário, incita-lhe a prosseguir, observando-lhe tão somente que tudo faça por esconder de seu marido a sua nova paixão.
Gustavo, sabedor por Fausto, da infidelidade da esposa, exaspera-se e, gênio irascível, violento, zeloso da sua honra prestes a macular-se, possuído de justa cólera, apunhala a esposa na ocasião em que esta, nos braços de Ramires, confessava-lhe entre beijos e carícias a imensidade do seu amor. Cometido o crime, é Gustavo preso e processado. A justiça absolve-o unanimemente. E quando em sua casa o desditoso marido lamenta a sua sorte, após os risos de uma imprópria festa com que o recebem, aparece D. Elvira, que, pilhando-o só, o injuria e, presa de terrível vingança, (para nós simplesmente condenável) apunhala-o, sem que esse homem tão irascível, impulsivo e ludibriado, faça em seu favor o menor gesto de defesa.
Não compreendemos francamente, onde a impunidade punida.
A distinta autora da Quem não perdoa revolta-se contra a absolvição do uxoricida, verberando a sociedade que aplaude a sua liberdade. Entende que esse homem deve ser punido, porquanto lhe não cabia o direito de matar. E qual o modo por que supre a falta judiciária? Mata-o também, isto é, pune um crime com a prática de um outro crime. Como justificativa no caso, apresenta a dor da mãe desvelada que considera superior a do marido ultrajado.
É esta mãe que perde o seu filho pelo crime de ter com sangue lavado a nódoa de sua honra? Tinha o direito de matar também. E era então um nunca acabar de punir a impunidade matando.
Demais, qual a maior dor, a de mãe, por mais desvelada que seja, que vê morta a filha adúltera, ou a do marido a quem a esposa enxovalhou a honra? E se o remédio da punição está no crime, como considerar criminoso o marido que puniu matando?
A distinta autora de Quem não perdoa, no empenho de justificar o desfecho da sua peça, tenta preparar o espírito da assistência em seu favor, desde o 1º ato, pondo em evidência o grande amor de D. Elvira por sua filha Ilda, como se isso servisse de justificativa ao ato de punir matando. E essa filha que assim procedeu, é perfeitamente um caso de hereditariedade psicológica, porquanto já sua mãe, em moça, com um ano apenas de casada, tentara macular a honra de seu velho pai e isso chegaria a fazer se para longe se não afastasse aquele a quem amava ilicitamente.
E isto mesmo é dito a Ilda por sua própria mãe, quando a tresloucada pensa em dedicar-se a outrem. É, repetimos o franco assentimento, com a agravante do terrível conselho: - que tudo faça por ocultar a seu marido, o criminoso amor que começa a despontar-lhe na alma.
Ilda era boa, meiga, custou muitos sacrifícios a sua mãe – toda aquela longa e fatigante história de sua infância contada no 1º ato – mas, mudou depois, e tudo isso desfaleceu em face da esposa criminosa que se tornou.
E desde que assim não seja, façamos logo a apologia do adultério.

Para o marido libertino, há o remédio da lei – o divórcio. Mas, punir o uxoricida matando-o, matar o homem que assassinou a esposa infiel nos braços do amante, sobrepondo desse modo a dor da mãe à dor do desonrado, é simplesmente intolerável e absurdo.

A autora, troçando o adultério, ridicularizando na figura do Capitão Elias, um infeliz marido, protege a adúltera para repelir o desonrado. Esse tipo de homem impotente para reagir é ridicularizado. Mas, se matasse a mulher, devia ser morto. E só aí então haveria uma impunidade a punir.
É, não há dúvida nenhuma, deveras singularíssima, a maneira pela qual a autora da Quem não perdoa resolveu punir a impunidade.
E o que se aproveita daqueles três atos enfadonhos, de cenas longas, onde existe contudo um pouquinho de técnica teatral, aliada alguma intensidade dramática, ás vezes um tanto exagerada? Pouca coisa. Aquele amor imenso de uma desventurada mãe por sua filha, a quem tudo desculpava e a quem vingou num ato de desespero. Era preciso punir de qualquer forma. Matar. Duas mortes em cena. E por isso Quem não perdoa descamba para os antigos dramas que a moderna escola não tolera.
Quanto ao título da peça, se bem que o terceiro, assim nos parece, achamos impróprio.
E não se agaste conosco a escritora brilhante, a quem tanto admiramos. É árdua a nossa tarefa. Mas o que fazer se aqui somos tão somente a crítica em face do autor?
Reconhecemos o grande mérito e talento da autora consagrada. Mas com franqueza o dizemos que Quem não perdoa não correspondeu em absoluto à nossa expectativa.
Quanto ao desempenho foi bom. E pelos motivos que já aqui expusemos, não nos era lícito pedir mais.
Do papel de D. Elvira, encarregou-se a Sra. Maria Falcão, que foi a alma da peça. Conduziu-se bem, com muita observação, merecendo francos elogios pela cena do 3º ato.
A Sra. Lucilia Peres foi a artista de sempre. Conscienciosa, comedida; deu ao papel de Ilda um louvável desempenho. A Sra. Luiza de Oliveira, que jogou bem a cena da comédia do 2º ato, na interpretação de Angela, foi esplendida de naturalidade e bem se conduziu no seu pequeno papel de Sophia a Sra. Corina Fróes.
Destaquemos ainda os Srs. Antonio Ramos, Ferreira de Souza e João Barbosa. O primeiro pareceu-nos a contragosto no papel de Gustavo; o segundo um ótimo Vieira e João Barbosa num pequenino papel, foi bem.
Os demais artistas, sem exceção, senhores dos seus papéis, concorreram para o bom desempenho da peça.
Cabem ainda os mais francos aplausos ao Sr. Eduardo Victorino, pela maneira correta com que montou e ensaiou a nova peça.
Os cenários de Jayme Silva, Lazary e Joaquim Ramos, bons.
- E desse modo correu a inauguração da temporada do Municipal totalmente repleto de um fino público que fez à distinta escritora D. Julia Lopes as mais entusiásticas ovações.

VISITE TAMBÉM