ÉPOCA –
3/10/1912
Primeiras
Teatro Municipal – Quem não perdoa –Peça
em 3 atos, de D. Julia Lopes de Almeida, pela Companhia Nacional Eduardo
Victorino.
A peça de D. Julia Lopes, sobre cujo tema ontem nos
referimos, resume-se no seguinte:
D. Elvira,
uma senhora viúva, criara com dedicação imensa sua única filha Ilda.
Vivendo pobremente, a desvelada mãe tudo
sacrificava para que nada faltasse a Ilda,
que depois de moça apaixona-se por um jovem engenheiro, Gustavo, com quem se casa.
Uma vez casada, cercada de todo o conforto, sente
na alma os primeiros sintomas de uma afeição nova, dedicando-se a um amigo da
casa, Manoel Ramires.
Ama-o mesmo e, ao invés de receber de sua mãe, a
quem tudo confessa, a condenação formal do seu tresloucado amor, esta pelo
contrário, incita-lhe a prosseguir, observando-lhe tão somente que tudo faça
por esconder de seu marido a sua nova paixão.
Gustavo,
sabedor por Fausto, da infidelidade
da esposa, exaspera-se e, gênio irascível, violento, zeloso da sua honra
prestes a macular-se, possuído de justa cólera, apunhala a esposa na ocasião em
que esta, nos braços de Ramires,
confessava-lhe entre beijos e carícias a imensidade do seu amor. Cometido o
crime, é Gustavo preso e processado.
A justiça absolve-o unanimemente. E quando em sua casa o desditoso marido
lamenta a sua sorte, após os risos de uma imprópria festa com que o recebem,
aparece D. Elvira, que, pilhando-o
só, o injuria e, presa de terrível vingança, (para nós simplesmente condenável)
apunhala-o, sem que esse homem tão irascível, impulsivo e ludibriado, faça em
seu favor o menor gesto de defesa.
Não compreendemos francamente, onde a impunidade
punida.
A distinta autora da Quem não perdoa revolta-se contra a absolvição do uxoricida,
verberando a sociedade que aplaude a sua liberdade. Entende que esse homem deve
ser punido, porquanto lhe não cabia o direito de matar. E qual o modo por que
supre a falta judiciária? Mata-o também, isto é, pune um crime com a prática de
um outro crime. Como justificativa no caso, apresenta a dor da mãe desvelada
que considera superior a do marido ultrajado.
É esta mãe que perde o seu filho pelo crime de ter
com sangue lavado a nódoa de sua honra? Tinha o direito de matar também. E era
então um nunca acabar de punir a impunidade matando.
Demais, qual a maior dor, a de mãe, por mais
desvelada que seja, que vê morta a filha adúltera, ou a do marido a quem a
esposa enxovalhou a honra? E se o remédio da punição está no crime, como
considerar criminoso o marido que puniu matando?
A distinta autora de Quem não perdoa, no empenho de justificar o desfecho da sua peça,
tenta preparar o espírito da assistência em seu favor, desde o 1º ato, pondo em
evidência o grande amor de D. Elvira
por sua filha Ilda, como se isso
servisse de justificativa ao ato de punir matando. E essa filha que assim
procedeu, é perfeitamente um caso de hereditariedade psicológica, porquanto já
sua mãe, em moça, com um ano apenas de casada, tentara macular a honra de seu
velho pai e isso chegaria a fazer se para longe se não afastasse aquele a quem
amava ilicitamente.
E isto mesmo é dito a Ilda por sua própria mãe, quando a tresloucada pensa em dedicar-se
a outrem. É, repetimos o franco assentimento, com a agravante do terrível
conselho: - que tudo faça por ocultar a seu marido, o criminoso amor que começa
a despontar-lhe na alma.
Ilda era
boa, meiga, custou muitos sacrifícios a sua mãe – toda aquela longa e fatigante
história de sua infância contada no 1º ato – mas, mudou depois, e tudo isso
desfaleceu em face da esposa criminosa que se tornou.
E desde que assim não seja, façamos logo a apologia
do adultério.
Para o marido libertino, há o remédio da lei – o
divórcio. Mas, punir o uxoricida matando-o, matar o homem que assassinou a esposa
infiel nos braços do amante, sobrepondo desse modo a dor da mãe à dor do
desonrado, é simplesmente intolerável e absurdo.
A autora, troçando o adultério, ridicularizando na
figura do Capitão Elias, um infeliz
marido, protege a adúltera para repelir o desonrado. Esse tipo de homem
impotente para reagir é ridicularizado. Mas, se matasse a mulher, devia ser
morto. E só aí então haveria uma impunidade a punir.
É, não há dúvida nenhuma, deveras singularíssima, a
maneira pela qual a autora da Quem não
perdoa resolveu punir a impunidade.
E o que se aproveita daqueles três atos enfadonhos,
de cenas longas, onde existe contudo um pouquinho de técnica teatral, aliada
alguma intensidade dramática, ás vezes um tanto exagerada? Pouca coisa. Aquele
amor imenso de uma desventurada mãe por sua filha, a quem tudo desculpava e a
quem vingou num ato de desespero. Era preciso punir de qualquer forma. Matar.
Duas mortes em cena. E por isso Quem não
perdoa descamba para os antigos dramas que a moderna escola não tolera.
Quanto ao título da peça, se bem que o terceiro,
assim nos parece, achamos impróprio.
E não se agaste conosco a escritora brilhante, a
quem tanto admiramos. É árdua a nossa tarefa. Mas o que fazer se aqui somos tão
somente a crítica em face do autor?
Reconhecemos o grande mérito e talento da autora
consagrada. Mas com franqueza o dizemos que Quem
não perdoa não correspondeu em absoluto à nossa expectativa.
Quanto ao desempenho foi bom. E pelos motivos que
já aqui expusemos, não nos era lícito pedir mais.
Do papel de D.
Elvira, encarregou-se a Sra. Maria Falcão, que foi a alma da peça.
Conduziu-se bem, com muita observação, merecendo francos elogios pela cena do
3º ato.
A Sra. Lucilia Peres foi a artista de sempre.
Conscienciosa, comedida; deu ao papel de
Ilda um louvável desempenho. A Sra. Luiza de Oliveira, que jogou bem a cena
da comédia do 2º ato, na interpretação de Angela,
foi esplendida de naturalidade e bem se conduziu no seu pequeno papel de Sophia a Sra. Corina Fróes.
Destaquemos ainda os Srs. Antonio Ramos, Ferreira
de Souza e João Barbosa. O primeiro pareceu-nos a contragosto no papel de Gustavo; o segundo um ótimo Vieira e João Barbosa num pequenino
papel, foi bem.
Os demais artistas, sem exceção, senhores dos seus
papéis, concorreram para o bom desempenho da peça.
Cabem ainda os mais francos aplausos ao Sr. Eduardo
Victorino, pela maneira correta com que montou e ensaiou a nova peça.
Os cenários de Jayme Silva, Lazary e Joaquim Ramos,
bons.
- E desse modo correu a inauguração da temporada do
Municipal totalmente repleto de um fino público que fez à distinta escritora D.
Julia Lopes as mais entusiásticas ovações.
VISITE TAMBÉM
Nenhum comentário:
Postar um comentário