FOLHA DO DIA
– s/d
“Quem não perdoa”, Três atos, de D. Julia
Lopes de Almeida
D. Julia Lopes de Almeida, escritora brasileira
cujo nome não é estranho a quem se interessa pelas letras nacionais, foi buscar
a “ideia” de sua peça “Quem não perdoa”, em um assunto que se desprende das
variadas doutrinas sociais hoje em luta – a conservadora e a socialista.
Trata-se como deixamos dito ontem, de um crime
admitido como a reabilitação da honra de um marido ultrajado, traído por uma
esposa “desonesta”, que, parecendo valer-se de um direito adquirido pelo
constante exemplo de “desafrontas a punhal”, mata a mulher “adúltera”, para
depois receber a vingança desse assassínio virtuoso, da mão armada de uma “mãe”
pesarosa, única, no meio de uma sociedade que recebe o marido reabilitado de braços
abertos, que não concordara com o processo de “lavagens de honra”, com o sangue
de seu sangue.
Fosse a peça de D. Julia Lopes de composição harmônica,
desenvolvendo-se a ação pelo desdobramento natural dos fatos, embora aliados a
episódios subsidiários, tais como as cenas cômicas com as quais se entremeia o
entrecho, sem afastá-lo do elo principal; fosse o seu drama de uma evolução
natural, lógica, resultando das consequências das várias situações criadas pela
gradação dos efeitos, o seu tema teria assoberbado todo o auditório de anteontem
e D. Julia Lopes logrado para si, outros aplausos muito diferentes das palmas
com que foi saudada na estreia da Companhia Brasileira.
Porque afinal é bem procedente o protesto da mulher
que sente a injustiça de um Código Penal, quando julga a entidade privilegiada
que é o homem, em “um crime que não é crime”, em um delito cujos agentes
provocadores a razão desconhece, mas que uma sociedade pretensiosa aponta como
fruto de um sentimento de vindita, contra um ultraje à honra individual e à
honestidade de uma família.
Porque não lhe assiste, a ela, mulher humana como o
marido, o privilégio de meter uma bala na cabeça desse mesmo “Gustavo”, aliás
como muitos Albertos e Andrés que por aí andam, porque teve também o seu amor
próprio ferido, quando se disse em sua casa, e naturalmente já devia ter
intimamente ciência do fato que ele a traíra, desfrutando, com a aprovação dos
amigos, essa mulher leviana do Capitão Elias? Então é diferente a honestidade
do marido, e são distintas a honra de um e de outra?
Infelizmente D. Julia Lopes , não soube fazer girar
a sua peça em torno de uma situação dramática mais favorável, como por exemplo,
o “Amor proibido”, e preferiu criar, em um meio onde se preconizava o
sacrifício pela honra, pela tranquilidade do lar, até o ponto de alijar-se uma
felicidade, que estava latente, um amor apaixonado de “D. Elvira” por um
diplomata que não faz conhecimento com a plateia, dois tipos antipáticos de
traidores, um no marido, o outro na mulher.
Para poder “desencadear” a sua peça, D. Julia
Lopes, mata pela mão do marido, em plena cena, coisa já um tanto anacrônica no
moderno teatro, essa “pobre” Ilda, que vivia em um ambiente de conforto e de
riqueza, mas que “obedecera” aos seus “instintos hereditários”. E, não
satisfeita com essa passagem trágica, que é extemporânea, descabida,
inconsequente, não obedecendo à ligação íntima que têm todas as partes da ação
dramática, ainda no fim do “drama” faz cair atravessado pelo ferro vingativo da
mãe desditosa, esse marido retemperado pela absolvição “unânime” do júri, que,
momentos antes, era recebido festivamente diante do retrato da infeliz
adúltera, com risos e discursos.
Essas mortes assim inesperadas, que não parecem o
desenlace produzido pela natural gradação do desdobramento da ação dramática,
antes lembram um acidente fortuito para pretextarem a descida do pano, quando
ainda o desencadeamento não atingiu o seu cúmulo, produzem, como é evidente, efeito
diverso daquele almejado pelo autor tal como sucedeu no assassinato casual ou
propositado, levado a efeito no final da peça do Sr. Guanabarino, “Ave Maria”,
que o público recebeu como um desastre para por termo a peça.
Esses grandes senões, assinalados em dramas feitos por
dramaturgos sem experiência, como também o diálogo em separado, deslocando
completamente o terceiro personagem, que se exemplifica também na peça de D.
Julia Lopes, fazem com que o interesse do público se afaste da ação principal
do drama, distraindo-se com fatos que o autor introduz na peça, como subsídio à
ação principal, mas que desenvolvem, em demasia, o entrecho essencial que
precisa prevalecer.
Foi a impressão que nos deixou o original de D.
Julia Lopes, aliás, perfeito e concatenado em alguns trechos, onde ela colocou
personagens dramáticos de muita observação, que, apesar de complexos, foram bem
compreendidos pelos artistas da Companhia Brasileira que se estreou no Teatro
Municipal.
Sem dúvida, fossem esses caracteres dramáticos
introduzidos em peça que não sofresse as dificuldades de individualização, em
um drama por exemplo, real, simples, menos prolixo e mais verdadeiro, e D.
Julia Lopes teria triunfado plenamente, isso porque tem o auxílio de um talento
brilhante que a coloca privilegiadamente no nosso meio intelectual.
A.FONTE
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