quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Fotos da Fon-Fon!

Três das principais cenas do 1º, 2º e 3º atos do drama Quem não Perdoa de D. Julia Lopes d’Almeida, com que acaba de estrear a companhia nacional no Teatro Municipal. (Reportagem fotográfica especial de Fon-Fon!)




Jornal do Comércio 29/10/1912
TEATROS E MÚSICA

O TEATRO NACIONAL – Muitos anos decorreram já, depois que se iniciou no regime republicano o movimento em prol do Teatro Nacional. O Governo Provisório, que criara o Instituto Nacional de Música e remodelara o ensino das Belas Artes tinha a compreensão do valor social do teatro, mas deixou de cogitar da sua organização desde que desapareceram Aristides Lobo e Benjamin Constant, os estadistas mais completos daquele período de transformações políticas.
A indiferença do Governo perdurou no regime constitucional, servido por homens de cultura intelectual por vezes elevada, mas sempre alheia às elucubrações de arte e absolutamente ignorante da influência que o teatro deveria exercer e exercerá fatalmente sobre o movimento industrial e econômico, se não de todo o país, pelo menos dos centros onde tais manifestações de arte sejam favoneadas pelo auxílio oficial.
Era essa a situação de inércia, de mole apatia, quando, no seio do Governo municipal, o Sr. Julio do Carmo fez reviver a questão do teatro nacional e esse gesto só deixou de produzir resultados imediatamente, porque desviaram o movimento da diretriz que lhe fora traçada; vieram, porém, os impostos especiais onerar as empresas de espetáculos durante anos e anos, a pretexto da constituição de um patrimônio que permitisse a construção de um teatro modesto e a fundação do instituto normal de que desabrocharia o teatro nacional.
Passaram-se os anos, nada se fazia, nem tão pouco se soube jamais qual o patrimônio acumulado com a receita especial dos impostos de espetáculos, concertos e outras diversões.
Chegou o período da transformação material da cidade e o delírio das grandezas abrangeu também a ideia do teatro – não um templo modesto para culto da arte nacional e que deveria primar pela simplicidade, pelo conforto e pela despretensão, para que a alma popular ali se achasse à vontade e livre para as emoções; cuidou-se de preferência, com desígnios que nos não cumpre investigar, de um teatro que fosse uma maravilha arquitetônica, uma construção digna das Mil e uma Noites. E o Elefante Branco surgiu de um pau para a ostentação soberba dos mármores dos dourados, das decorações luxuosas, das luzes ofuscantes, dos veludos, das sedas, das tapeçarias, dos esplêndidos nus que parece terem nascido de palhetas de sátiros ou de faunos.
Em tal palácio encantado não poderia, certo, abrigar-se a humilde arte nacional, paupérrima, modestíssima, quase que envergonhada ante tantos esplendores, visões de sonhos orientais. O Elefante Branco foi então reservado para os Barnums audaciosos, para a mercancia das companhias de arribação que escondem andrajos sob os fulgores de uma ou duas estrelas.  Quanto à arte nacional... ainda é penosa a recordação da empresa Guilherme da Rosa!
Novo movimento se pronunciou ultimamente em prol do teatro nacional: o Governo municipal o acolheu sem entusiasmo, sem amor; em todo caso não o repeliu, honra lhe seja. E foi resolvido que se desse uma migalha qualquer a essa pedinte impertinente que tem a pretensão de representar um dos aspectos da nossa civilização.
Então, à última hora, quando já não havia companhias estrangeiras a atender e favorecer, a enferrujada entrosagem administrativa começou a funcionar para o expediente do ridículo auxílio que se concedia quase desdenhosamente para uma tentativa apressada, sem garantias para o elenco reunido às pressas por três meses apenas...
Além de tudo, alguns jornais falaram ainda da loucura municipal, que esbanjava setenta contos de réis em subvencionar uma companhia de teatro nacional, não se lembrando eles de que tal companhia deveria, dentro de poucos dias, levar à cena alguns originais brasileiros, sem estar previamente aparelhada com pessoal idôneo e com o material imprescindível, e que essa pequena subvenção era absolutamente insuficiente para oferecer, já não dizemos garantias permanentes, mas vantagens provisórias ao grupo de atores que se congregasse, assim como para adquirir o material necessário, fazendo-o preparar às carreiras...
Sim, é preciso desconhecer inteiramente o que seja o teatro, para ignorar que as subvenções às casas de espetáculo se dão em todo mundo civilizado, e que nunca foram consideradas sumtuarias ou improdutivas tais despesas, porque o teatro é uma fonte de vida para inúmeras indústrias e desenvolve e alimenta principalmente todas as indústrias de luxo. No organismo das sociedades cultas o teatro é indispensável ao equilíbrio vital e em toda parte se trabalha para que ele exerça a sua função normalmente; façamos aqui o mesmo e ele compensará oportunamente todos os sacrifícios.
Não declamamos, nem fazemos frases. Para documentar o que vimos dizendo, basta registrar apontamentos, que são extremamente instrutivos, dizendo como se auxilia o teatro no estrangeiro.
Onde se despendeu mais com o teatro em 1911, foi na cidade de Colonia; a Municipalidade contribuiu com a soma de 659.000 marcos (500 contos, aproximadamente), para a Ópera e o Schauspielhaus. Dusseldorf vem em seguida, com 519.000 marcos (390 contos); Manheim com 500.500 marcos (380 contos); Leipzig com 357.350 marcos (270 contos); Fribourg en Brisgau que tem apenas 83.000 habitantes, 318.000 marcos (240 contos); seguindo-se Strasburgo 289.645 marcos; Chemnitz 283.219 marcos; Francfort 272.500 marcos; Moguncia 207.000 marcos; Elberfeld 137.750 marcos; Essen 130.000 marcos. Em todas essas cidades não há uma subvenção fixa, mas a municipalidade cobre o déficit e isso explica as frações das somas.
O soberano mais generoso conta-nos Le Guide Musical é o Imperador da Austria que dota os teatros oficiais de Viena com somas enormes.
A Ópera recebe 600.000 coroas de subvenção fixa, e quando há déficit o Imperador supre a diferença; assim é que há dois anos a subvenção foi de um milhão.
O Burgr-Theater, que é a Comédia Francesa da Austria recebe 400.000 coroas por ano. Cumpre lembrar que o Imperador também dota, mas parcialmente dois teatros em Budapesth, o teatro Achèque de Praga do seu bolso particular.
O Imperador da Alemanha desembolsa 900.000 marcos para a Ópera Real de Berlim (670 contos); além disso, ele contribui com 400.000 marcos (300 contos) para o teatro de comédia. O Príncipe regente da Baviera dá 600.000 marcos (450 contos) aos dois teatros de Munich. A Ópera de Dresden recebe 400.000 marcos (450 contos) da lista civil do Rei de Saxe. O Grão Duque de Hesse despende 200.000 marcos com o teatro de Darmstad. O Rei da Dinamarca dá 400.000 coroas por ano para os teatros reais.
Na França as subvenções não são tão avultadas. O Governo francês dá 800.000 francos à Grande Ópera; 240.000 à Comedia Francesa; 300.000 à Ópera Cômica, 100.000 ao Odeon e ainda teatro e material grátis. A Municipalidade de Paris dá a gratuidade da sala da Gaité ao Teatro Lírico alugada anteriormente por 100.000 francos e concede um subsídio ao Trianon Lírico.
Para uma estação de seis meses a Municipalidade de Lyon concede ao diretor uma subvenção de 300.000 francos e paga três quartos da despesa com a aquisição de todo material novo. Em Marselha a subvenção é de 350.000 francos; em Bordeaux é de 285.000 francos.
Na Itália os teatros das grandes cidades têm subvenções dos municípios.
Na Russia os teatros imperiais de Petersburgo e de Moscow são custeados pelo Ministério da Corte, que provê também as despesas dos conservatórios de música, de declamação, de dança, além de custear as despesas da educação de todos os alunos até o momento em que eles se colocam nos teatros oficiais. Eles são pensionistas desses estabelecimentos onde fazem além de seus estudos artísticos, estudos clássicos pelo programa dos liceus. Depois de vinte anos de serviço nos teatros imperiais são aposentados com pensões vantajosas.
Na Bélgica a situação dos teatros não é tão vantajosa. O teatro de Monnaie em Bruxellas recebe pela estação de oito meses 100.000 francos da Corte e 150.000 da Municipalidade. Em Antuerpia a Municipalidade dá 60.000 francos ao Teatro Real (ópera); 60.000 francos ao Teatro Lírico flamengo e 30.000 ao Teatro dramático flamengo. Em Liège a subvenção do Teatro Real é apenas de 60.000 francos, mas a Municipalidade paga toda a orquestra. Em Grand o Teatro Real é custeado pela Municipalidade; o déficit da última estação foi de mais de 200.000 francos.
Como se vê, todos os bons teatros da Europa subsistem pelas subvenções, além das garantias que têm as empresas com a certeza desse auxílio que não falha. Em comparação vê-se quanto é mesquinha a subvenção que aqui agora foi dada e a título precário ao Sr. Eduardo Victorino para uma companhia dramática nacional.
Confiamos, porém, na atividade, na inteligência e na competência do Sr. Eduardo Victorino, que não poderá fazer milagres nem prodígios, inventando atores de um dia para outro, dando representações perfeitas com meia dúzia de ensaios e deslumbrando os espectadores com “mise-en-scéne” luxuosa e magnificente, mas surpreenderá a toda gente, já com a afinação artística de seu elenco que representará com decência, sabendo bem os seus papéis, já com uma encenação esmerada a que estamos pouco habituados, desde que as companhias estrangeiras estabeleceram, como máximo esplendor, para nós, os Botocudos, o cenário de papel dobrado, desbotado e as mais das vezes rasgado.
Cumpre que toda a sociedade intelectual do Rio de Janeiro venha animar com a sua presença a mais séria e inteligente tentativa, que entre nós se tem feito, para o ressurgimento do teatro nacional.
Na próxima terça-feira, 1 de outubro as portas do teatro Municipal abrir-se-ão para a primeira representação da peça em três atos “Quem não Perdoa...” de D. Julia Lopes de Almeida.

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