NOITE – 02/10/1912
“QUEM NÃO PERDOA”, no Municipal
O Teatro Nacional e a experiência de ontem
O público
que encheu o Municipal na noite de ontem tem hoje a convicção de que é possível
o Teatro Nacional.
O que se
fez ontem não foi bem uma experiência: - foi uma prova.
O esforço
de todos os elementos que se congregaram no Municipal, sob a direção do Sr.
Eduardo Victorino, deu um resultado além de toda expectativa.
A companhia
que, em gíria de teatro, tinha sido organizada sem a segunda plana, por falta
de elementos, o que levaria o desempenho a irregularidades insanáveis,
apresentou-se ao público perfeitamente homogênea e correta.
O Municipal
ontem estava cheio. No camarote presidencial estava o Sr. presidente da República.
No da Prefeitura estava o Sr. general prefeito.
É simpático
o interesse que as altas autoridades estão tomando pelo renascimento do nosso
teatro.
A plateia
do Municipal era a plateia das noites gloriosas do teatro elegante. Tudo quanto
o Rio tem de escol estava presente.
Antes de
começar o espetáculo havia uma muda interrogação em todos os grupos. Ninguém
sabia o quê ia ver. Para todos tratava-se de uma surpresa.
O
“velarium” descerrou-se deixando ver um lindo cenário de Jayme Silva: um
interior empobrecido tendo no papel desbotado das paredes as manchas dos
quadros já vendidos. Havia ao fundo um lindo e natural efeito do sol, entrando
pelas janelas.
A plateia
ficou presa à exposição da peça no primeiro ato. O primeiro ato de “Quem não
perdoa” não é bem a apresentação das personagens das comédias modernas; é antes
o prólogo do drama de impunidade e fraqueza humana que se vai desenrolar. Há no
primeiro ato um tipo episódico flagrantemente apanhado: o do Beirão, o belchior
de trastes velhos. E o ator Rangel interpretou-o com bastante segurança e
meticulosidade.
Só no
segundo ato é que se começa a compreender a peça. Trata-se de uma mulher que
ama extremamente a filha e que só consente no seu casamento para a felicidade
dela, filha. Do primeiro ato, que é o pedido de casamento onde a mãe conta ao
noivo da filha toda a sua miséria e todos os trabalhos que passou, até ao
segundo ato, vão dez anos de intervalo. No segundo ato “Ilda”, a filha, não é
feliz com o marido, “Gustavo”. A mãe, “D. Elvira”, compreende a filha e crê que
ela já ama um homem que não é o marido. E aconselha-a a que jamais deixe
perceber a esse homem, ou a alguém, o seu sentimento. Na sua virtude está a sua
felicidade. Mas Ilda obtém que a mãe saia a fazer umas compras e recebe em
casa, depois de despachar os criados, o homem a quem ama. O marido, já avisado
por um amigo bisbilhoteiro, chega de repente a casa e vê os dois, mulher e
amante, abraçados num beijo. Irrompe então na sala, de faca em punho e mata a mulher,
sem gritos, sem explicações. D. Elvira, a mãe, ao voltar, acredita que a filha
está dormindo e sorri. É a cena mais dramática da peça. Depois vê que está
morta e, abatida por um ataque tomba sobre o tapete.
O terceiro
ato é a vingança de D. Elvira. O matador da sua filha foi absolvido. Ela então
vem fazer justiça e mata-o por sua vez.
Esses dois
atos estão enquadrados por dois lindos cenários de Angelo Lazary e Joaquim
Santos. São dois cenários primorosos.
Ao terminar
esses dois atos havia na plateia olhos umedecidos e sorrisos enternecidos. De
toda parte irromperam aplausos e toda a companhia e a autora foram chamados à
cena, assim como o ensaiador e diretor da companhia Sr. Eduardo Victorino.
A peça
nesses aplausos, nesses sorrisos tem a sua melhor consagração. O público
refinado que ontem foi ao Municipal vibrou sem preocupação alguma de snobismo.
E fez o elogio da peça, fez a consagração do trabalho que aquele espetáculo
representava e respondeu à pergunta que de há muito se vem fazendo sobre a possibilidade
de termos Teatro Nacional.
A peça
“Quem não perdoa”, de D. Júlia Lopes de Almeida, que é um vibrante escritor,
tem indecisões de técnica teatral.
O primeiro
ato tem cenas de um vazio desagradável para o público. Ao segundo ato faltam as
proporções de tempo para o desenrolar de fatos tão graves e tão imprevistos. No
terceiro D. Elvira, que vem de fora, sabe de tudo quanto se passa dentro de
casa como se estivesse presente a todos os incidentes que precederam a chegada
do absolvido matador de sua filha.
Mas isso
são senões naturalíssimos a quem faz trabalho de tal fôlego pela primeira vez.
A peça tem
um papel capital – o de D. Elvira, a mãe vingadora. Os outros papéis quase que
não passam de papéis episódicos.
D. Elvira
coube a Maria Falcão, que nele obteve um belo trabalho de dramatização e de
estudo. Há minúcias, nesse papel, que não passaram despercebidas a Maria
Falcão.
Ilda foi
interpretada por Lucilia Peres, que foi encantadora no primeiro ato e
profundamente apaixonada no segundo ato, até a sua morte.
Luiza de
Oliveira, no papel de Angela, trabalhou-o carinhosamente. Foi muito natural e
disse bem.
Corma
Fróes, Gabriella Montani, Fulvia Castello Branco, Judith Saldanha, Desdemona
Barros e Brasilia Lazaro acompanharam afinadamente a representação.
Antonio
Ramos, no papel de Gustavo o marido assassino, salvou-se da ingratidão do tipo
a encarnar, mal definido na peça, com largas cenas de desespero. A impaciência
do segundo ato, para saber a verdade do que ele julga ser a traição da sua
mulher foi bem feita.
Ferreira de
Souza, no tipo do “Vieira”, negociante falido e tio de Gustavo, esteve à altura
dos seus créditos e do seu valor.
João Barbosa
teve um papelzinho no “Fausto” conduzindo-o bem, assim como Alvaro Costa, no
amante Ramires.
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