COMMERCIO (edição da tarde) – 02/10/1912
O THEATRO NACIONAL
A inauguração da temporada – “Quem não perdoa”
de D. Julia Lopes de Almeida
Não nos
enganamos ontem, quando dissemos que a inauguração da presente temporada de
teatro brasileiro significava um simpático acontecimento na história da nossa
arte cênica.
O fato de
se haver enchido por completo o Municipal, já atesta por si só que temos um
público capaz de auxiliar eficazmente o desenvolvimento do nosso teatro. E é
este, quiçá, o pivot da questão.
Porque, sem público, desapareceria o estímulo necessário tanto aos autores como
aos interpretes, que tomam a si o levantamento do nosso palco.
Mas, cremos
já fora de qualquer dúvida, que o Rio de Janeiro possui um público apto para
significar um termo de suma importância na evolução do teatro.
Há público
nacional para as pochades e burletas,
não raras vezes escritas mesmo sem aquilo que as devia caracterizar por
excelência: a graça leve, o humorismo dos sous-entendus,
o chocante das situações imprevistas, a chocarrice da linguagem, etc. Não
obstante, os teatrinhos em que essas produções de última hora e de calculado
efeito são representadas, enchem-se todas as noites.
Há público
nacional ainda para as grandes companhias estrangeiras que, de ano a ano, nos
visitam, trazendo-nos banhos salutares de verdadeira arte, com tudo o que ela
tem de assombroso e magnífico.
Quando
essas companhias fazem temporada entre nós, o Municipal, em via de regra, está
cheio. Snobismo? Discernimento
artístico? Uma e outra coisa, apesar de o segundo caso, supomos levar
superioridade numérica sobre a futilidade do primeiro.
Se o
público do Rio de Janeiro frequenta com assiduidade essas duas espécies tão
diferentes de teatro, por que motivo não havia de concorrer ao teatro que
procura ser a sua própria representação, sendo a representação da sociedade em
que vivemos? É preciso que acabemos, de vez, com o pessimismo que nos é
peculiar em se tratando de coisas nossas. O Brasil, onde a literatura floresce
com um viço excepcional nos países novos de aquem-Atlântico, tem incontestavelmente
direito a um teatro nacional. Não queremos afirmar – longe de nós tal ideia –
que este teatro já existe realmente. Mas o que não se pode negar é que as
nossas condições atuais para a formação desse teatro, são ótimas. A obra está
magnificamente iniciada. Cumpre agora levá-la a cabo.
Estão
empenhados no levantamento do nosso teatro grandes capacidades de trabalho e
belas energias servidas por sólidas vontades. O Sr. Coelho Netto, na direção da
Escola Dramática, tem sido incansável. E um resultado plenamente satisfatório
já se vai fazendo notar desde que tomou a si a difícil tarefa de ser o
mentor-chefe dos nossos futuros atores.
O Sr.
Eduardo Victorino, na professura prática da Escola, não tem também, por sua
vez, poupado esforços. E o mesmo deve ser dito de todo o corpo docente da
Escola, na qual se salientam vantajosamente a ilustração e a competência dos
Srs. Alberto de Oliveira e João Ribeiro.
Os nossos
escritores teatrais, esses não esmorecem. E a prova está na presente temporada
em que serão levados à cena seis originais brasileiros.
O de ontem,
Quem não Perdoa..., de D. Julia Lopes
de Almeida, é um estudo social conduzido com regular facilidade. Há cenas que
atestam as belas qualidades de dramatista que distinguem a ilustre escritora.
Outras há, entretanto, em que a ação se arrasta com grande dificuldade, já por
excesso de convencionalismo de técnica, já por defeitos da própria técnica na
condução dos diálogos, que são, por vezes, excessivamente longos e destituídos
de naturalidade.
É este o
caso, por exemplo, na cena do primeiro ato, em que a simpática mãe de Ilda,
concedendo a mão de sua filha, ao pretendente que ela até então nunca havia
visto, conta ao jovem, que está visivelmente contrafeito, todo um infindável
rosário de aflições e tristezas íntimas. É bem o que se poderia chamar o despudor da desgraça.
Mas,
tirando uma resultante geral da impressão causada pela peça de D. Julia Lopes,
cremos poder afirmar que a estreia da temporada oficial de 1912 foi a mais
auspiciosa possível.
Oxalá
continue o público a interessar-se pelo êxito da temporada, enchendo, como
ontem, o Municipal, e aplaudindo fortemente, como merecem pelos seus honestos
esforços, os nossos autores e os seus interpretes.
C.C.
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