GAZETA – s/d
TEATRO NACIONAL
Para ampliar a nossa última notícia sobre o nosso
teatro temos hoje mais as seguintes notas, que vão a seguir.
Como sabem, está organizada, ou melhor, quase
organizada, pois faltam apenas algumas respostas, a companhia nacional que vai
fazer a temporada do Municipal para representar os originais escolhidos pela
Academia e mais alguns de autores brasileiros. O seu elenco até agora é o
seguinte: atrizes – Lucilla Peres, Maria Falcão, Adelaide Coutinho, Luiz de
Oliveira, Julia Santos, Corina Fróes, Fulvia Castello Branco, discípula da
Escola Dramática, e Judith Saldanha; atores – Ferreira de Souza, João Barbosa,
Antonio Ramos, Alvaro Costa, Castello Branco, Sampaio, Armando Duval, Samuel
Rosalvo, Affonso Mello; contra-regra, Lindolpho de Souza; aderecista, Ary
Nogueira; ponto, Rocha; Maquinista, Anysio Fernandes.
Seis desses artistas são alunos da escola
Dramática. E é o que se pode chamar uma companhia brasileira, pois só quatro
desses artistas são portugueses, sendo que dois, Ferreira de Souza e Antonio
Ramos, se fizeram artistas nos nossos palcos, e os outros dois, Maria Falcão e
Luiza de Oliveira, embora começassem em Portugal, têm passado grande parte de
sua vida de palco entre nós.
Foi também convidado, como era natural, para fazer
parte da companhia, o distinto ator Christiano de Souza, que se escusou,
alegando interesses da sua companhia, ora trabalhando em S. Paulo, no teatro Variedades.
Ontem estivemos à noite, no Municipal. Íamos falar
a Eduardo Victorino, o homem que teve a ousadia de arcar com a responsabilidade
de organizar a companhia nacional, mantê-la e fazê-la representar as peças dos
nossos escritores.
Havia um evidente entusiasmo entre toda aquela
gente. Todos estavam a postos. Em breve começaria o ensaio da peça de D. Julia
Lopes de Almeida, intitulada “Não Matarás”, cuja leitura se deu anteontem,
assim como foi feita imediatamente a distribuição dos papéis. Agradou-nos o
entusiasmo dos artistas. Certo, com esta disposição, poder-se-á fazer alguma
coisa de definitivo em prol do nosso teatro.
Eduardo Victorino estava lá, extraordinariamente
atarefado. Contudo, ouviu-nos e respondeu-nos.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
- Aceitando o contrato com a Prefeitura, para uma
tentativa artística, em condições tão estreitas, não pensei em fazer “um bom
negócio”...
- Salta aos olhos!
- Procurei servir um ideal. De há muito que eu
afagava a ideia de contribuir para o renascimento do teatro nacional, por isso
pus de lado a questão do dinheiro. E senão ouça lá:
Tenho 15 ou 16 atos a montar.
Ora, aplicando em cenários: algodão, ferragens,
madeira, pintura e trabalho de armar, 16:000$; dando para móveis, adornos de
cena, carpetes, pertences de contra regra, etc., 8:500$, e calculando que a
companhia para ensaiar um mês e meio e dois meses para representar, só custa
43:000$, verificamos um saldo de 2:500$, que não nos causará admiração se for
absorvido pelos empregados auxiliares, despesas de instalação, cópias, papéis,
etc.
- Não falou em propaganda antecipada?
- Nem falei no meu lucro...
- Tudo isso sairá da receita dos espetáculos...
- Se chegar; porque há ainda os seguintes encargos
diários: direitos do autor, anúncios, programas, bilhetes, bilheteiros,
despesas de contra regra e ajudantes, figurantes, etc., etc., uma infinidade de
pequenas verbas que são o terror dos empresários.
- E, segundo li, todo o material que fizer fica
fazendo parte do dote do teatro?
- Todo. E pelos processos mais modernos...em dois
meses.
- Não lhe há de sobrar muito tempo.
- Terei o suficiente para confundir os incrédulos,
equilibrando um núcleo de atores inteligentes e cheios de boa vontade.
- Confia, então, no levantamento da arte dramática?
- Absolutamente. O que não devemos é exigir do ator
aquilo que não se exige do escultor ou do pintor. Estes, antes de nos darem as
suas obras perfeitas, fazem “estudos”, isto é, reproduzem uma infinidade de
trabalhos preparatórios, cujo valor aumenta à proporção que se vão aproximando
da “verdade”. Por que havemos de querer que o ator deva, desde já, ser um
artista? Sobretudo, sabendo nós que ele fez a sua educação em peças, cujas
personagens deixavam de ser humanas, para serem tipos de bondade ou patifes da
pior espécie.
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