quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Os problemas do teatro nacional



TRIBUNA – 02/10/1912
Theatro Indigena

Um grupo de bem intencionados, a cuja frente está o nosso prefeito, propõe-se fazer ressurgir o teatro nacional, dando-nos hoje, à noite, a primeira prova de tão louvável tentativa.
Estudando, porém, conscienciosamente a organização da nova empresa, não podemos deixar de estranhar o que aí está, e que fica bem longe de ser o que essencialmente se poderia chamar: Elemento teatral nacional. É um agrupamento de poucos artistas de valor, cuja metade é composta de estrangeiros. Quanto aos autores das peças, sem negar-lhes absolutamente o valor literário, não possuem verdadeiramente a bossa que para o gênero de teatro, é tão necessária em outros países.
E no entanto, se a organização de um meio teatral, com todas as garantias e vantagens, a par de uma seleção criteriosa e seria, se fizesse no nosso país, não faltariam autores e atores de primeira água, que possuindo qualidades artísticas incontestáveis rivalizariam com vantagem com os melhores do mundo.
Quantos brasileiros não existem, nessas multidões que acotovelamos por aí, que trazendo do berço a vocação excepcional e sublime da arte teatral, se vêem condenados a um silêncio estéril, atrofiando no exercício de profissões bem diversas as qualidades que a tantos estrangeiros têm dado glória e fortuna!
Há bem poucos dias nos foi dado ouvir, na intimidade do seu lar, o Sr. Bento Martins de Sá, um desconhecido em o nosso meio intelectual, e possuidor entretanto de um notável talento para o gênero de dramas teatrais, lendo-nos uma peça de incontestável valor e de emoção intensa – “Crime Santo”.
“Crime Santo” é um trabalho crítico social que daria celebridade a qualquer desses escritores modernos que na Europa escrevem para teatro, pois possui cenas de um efeito admirável, muitíssimo bem observadas, e onde a psicologia humana estudada através de tipos da nossa moderna evolução, repercute latente, de um flagrante extraordinário.
Tudo nesse drama é cuidado rigorosamente, desde os detalhes mais insignificantes até a encenação do conjunto, que forçosamente predisporia agradavelmente a um público inteligente e observador exigente.
O “Crime Santo” empolga de princípio a fim, e termina admiravelmente, sem deixar essa impressão de mal estar que experimentamos ao descer o pano do último ato no desenlace final dos dramas modernos.
Esse, assim, como outro drama, “O Tímido”, que o Sr. Bento Martins está elaborando e sobre cujo merecimento teremos ocasião de falar oportunamente, estão, pelas circunstâncias mencionadas, destinados a serem inumanos tristemente na sepultura modestíssima de uma gaveta de escrivaninha...
Pois bem, a veia produtiva e intensa do Sr. Bento Martins não se limita ao gênero emotivo dos grandes dramas passionais, estendem-se também ao gênero alegre e saltitante da revista.
Não a revista de fancaria que indecorosamente se exibe por aí, e sim a resenha original dos fatos e costumes do nosso meio, apanhados através de um espírito fino, polido, e entremeado de versinhos e ditos encantadores de incontestável sucesso!
Ao verificarmos assim esses talentos que vivem desconhecidos, sem um estímulo sério e criterioso que os chame à evidência, olhamos com tristeza para essa meia dúzia de medalhões consagrados que de posse de um gênio vulgaríssimo se exibem por aí impingindo-nos quanta baboseira inventam a título de arte nacional!
   


NOITE – 04/02/1912
A Prefeitura e o Teatro Nacional

A assinatura do contrato entre a Prefeitura e a “La Teatrale”, arrendando o Teatro Municipal durante três anos e até outubro de cada ano, provocou, como era de esperar, uma intensa repulsa em todos os meios artísticos da nossa capital.
É preciso frisar bem que a assinatura desse contrato foi feita antes de se verificar o sucesso ou o fracasso da experiência do Teatro Nacional, para a qual a Prefeitura concorre com setenta contos.
A Prefeitura quis apenas fazer a experiência para ficar na experiência?
Não é crível que tal critério administrativo seja decisão no Palácio da Praça da República.
Com a experiência do Teatro Nacional que se está fazendo no Municipal, e que é positivamente vitoriosa, contraiu a prefeitura uma obrigação moral – criar, já com bases inteligentes, o definitivo Teatro Nacional.
Pouco importa que esse teatro venha a funcionar no Municipal, basta que funcione, como o queria Arthur Azevedo, num outro teatro, mais acessível ao público, e que seja uma garantia para a companhia.
No seu último relatório o Sr. Prefeito Municipal declarou que espera receber, para o próximo exercício, nada menos de 350 contos do imposto sobre o teatro. A Prefeitura é obrigada a despender anualmente, só com a manutenção do Elefante Branco, a elevada quantia de duzentos contos. Gaste-os, dando o teatro de graça à “La Teatrale”, mas procure outro teatro para o Nacional, e dê-lhe a subvenção de 120 contos, com cláusula de uma temporada maior e mais produtiva, porque ainda lhe sobram 30 contos para manter a Escola Dramática.
A Prefeitura o que não pode é estar a botar dinheiro fora, como essa liberalidade de dinheiro para custeio do Municipal só para que o teatro seja utilizado por “La Teatrale”, deixando ao abandono a literatura dramática nacional, os atores nacionais e os cenógrafos nacionais e toda a multidão de aptidões de que o Teatro Nacional há de se utilizar com proveito para a arte nacional.                                                                                                                    


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Os problemas do teatro nacional



TRIBUNA – 02/10/1912
Theatro Indigena

Um grupo de bem intencionados, a cuja frente está o nosso prefeito, propõe-se fazer ressurgir o teatro nacional, dando-nos hoje, à noite, a primeira prova de tão louvável tentativa.
Estudando, porém, conscienciosamente a organização da nova empresa, não podemos deixar de estranhar o que aí está, e que fica bem longe de ser o que essencialmente se poderia chamar: Elemento teatral nacional. É um agrupamento de poucos artistas de valor, cuja metade é composta de estrangeiros. Quanto aos autores das peças, sem negar-lhes absolutamente o valor literário, não possuem verdadeiramente a bossa que para o gênero de teatro, é tão necessária em outros países.
E no entanto, se a organização de um meio teatral, com todas as garantias e vantagens, a par de uma seleção criteriosa e seria, se fizesse no nosso país, não faltariam autores e atores de primeira água, que possuindo qualidades artísticas incontestáveis rivalizariam com vantagem com os melhores do mundo.
Quantos brasileiros não existem, nessas multidões que acotovelamos por aí, que trazendo do berço a vocação excepcional e sublime da arte teatral, se vêem condenados a um silêncio estéril, atrofiando no exercício de profissões bem diversas as qualidades que a tantos estrangeiros têm dado glória e fortuna!
Há bem poucos dias nos foi dado ouvir, na intimidade do seu lar, o Sr. Bento Martins de Sá, um desconhecido em o nosso meio intelectual, e possuidor entretanto de um notável talento para o gênero de dramas teatrais, lendo-nos uma peça de incontestável valor e de emoção intensa – “Crime Santo”.
“Crime Santo” é um trabalho crítico social que daria celebridade a qualquer desses escritores modernos que na Europa escrevem para teatro, pois possui cenas de um efeito admirável, muitíssimo bem observadas, e onde a psicologia humana estudada através de tipos da nossa moderna evolução, repercute latente, de um flagrante extraordinário.
Tudo nesse drama é cuidado rigorosamente, desde os detalhes mais insignificantes até a encenação do conjunto, que forçosamente predisporia agradavelmente a um público inteligente e observador exigente.
O “Crime Santo” empolga de princípio a fim, e termina admiravelmente, sem deixar essa impressão de mal estar que experimentamos ao descer o pano do último ato no desenlace final dos dramas modernos.
Esse, assim, como outro drama, “O Tímido”, que o Sr. Bento Martins está elaborando e sobre cujo merecimento teremos ocasião de falar oportunamente, estão, pelas circunstâncias mencionadas, destinados a serem inumanos tristemente na sepultura modestíssima de uma gaveta de escrivaninha...
Pois bem, a veia produtiva e intensa do Sr. Bento Martins não se limita ao gênero emotivo dos grandes dramas passionais, estendem-se também ao gênero alegre e saltitante da revista.
Não a revista de fancaria que indecorosamente se exibe por aí, e sim a resenha original dos fatos e costumes do nosso meio, apanhados através de um espírito fino, polido, e entremeado de versinhos e ditos encantadores de incontestável sucesso!
Ao verificarmos assim esses talentos que vivem desconhecidos, sem um estímulo sério e criterioso que os chame à evidência, olhamos com tristeza para essa meia dúzia de medalhões consagrados que de posse de um gênio vulgaríssimo se exibem por aí impingindo-nos quanta baboseira inventam a título de arte nacional!
   


NOITE – 04/02/1912
A Prefeitura e o Teatro Nacional

A assinatura do contrato entre a Prefeitura e a “La Teatrale”, arrendando o Teatro Municipal durante três anos e até outubro de cada ano, provocou, como era de esperar, uma intensa repulsa em todos os meios artísticos da nossa capital.
É preciso frisar bem que a assinatura desse contrato foi feita antes de se verificar o sucesso ou o fracasso da experiência do Teatro Nacional, para a qual a Prefeitura concorre com setenta contos.
A Prefeitura quis apenas fazer a experiência para ficar na experiência?
Não é crível que tal critério administrativo seja decisão no Palácio da Praça da República.
Com a experiência do Teatro Nacional que se está fazendo no Municipal, e que é positivamente vitoriosa, contraiu a prefeitura uma obrigação moral – criar, já com bases inteligentes, o definitivo Teatro Nacional.
Pouco importa que esse teatro venha a funcionar no Municipal, basta que funcione, como o queria Arthur Azevedo, num outro teatro, mais acessível ao público, e que seja uma garantia para a companhia.
No seu último relatório o Sr. Prefeito Municipal declarou que espera receber, para o próximo exercício, nada menos de 350 contos do imposto sobre o teatro. A Prefeitura é obrigada a despender anualmente, só com a manutenção do Elefante Branco, a elevada quantia de duzentos contos. Gaste-os, dando o teatro de graça à “La Teatrale”, mas procure outro teatro para o Nacional, e dê-lhe a subvenção de 120 contos, com cláusula de uma temporada maior e mais produtiva, porque ainda lhe sobram 30 contos para manter a Escola Dramática.
A Prefeitura o que não pode é estar a botar dinheiro fora, como essa liberalidade de dinheiro para custeio do Municipal só para que o teatro seja utilizado por “La Teatrale”, deixando ao abandono a literatura dramática nacional, os atores nacionais e os cenógrafos nacionais e toda a multidão de aptidões de que o Teatro Nacional há de se utilizar com proveito para a arte nacional.                                                                                                                    


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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A tenacidade de Eduardo Victorino





CORREIO DA NOITE – 02/10/1912
Correio dos Teatros – Teatro Municipal

Quem não perdoa, original em três atos, de D. Julia Lopes de Almeida.
O interesse despertado pela tenacidade de Eduardo Victorino levou ao nosso primeiro teatro o que a nossa sociedade tem de requintadamente elegante.
Compareceram o Sr. presidente da República, prefeito, chefe de polícia e o mundo oficial.
Não poderemos aqui assinalar que a tentativa tenha conseguido elevar-se até a expectativa geral.
“Quem não perdoa” exige um demorado estudo e não se o pode fazer no curto perpassar de suas cenas.
O espetáculo correu no meio do maior interesse por parte do público que não regateou aplausos tanto à autora como aos artistas e ao Eduardo Victorino.
Esperamos ver D. Julia Lopes mais senhora do teatro, seus segredos, para então julgá-la com a justiça que é devida à deliciosa e fina romancista.
A sua segunda peça teatral se ressente em muitos pontos de falhas, que bastante a prejudicam; são inúmeras as situações falsas, sendo mais uma peça de fantasia que da vida real.
Encarregaram-se do desempenho artistas já nossos conhecidos cujo elogio não precisamos fazer – os estreantes portaram-se regularmente, prometendo alguma coisa para o futuro.
O que está patente é o insucesso, o verdadeiro parto da montanha. Antes tivéssemos assistido à tradução de alguma peça francesa, o que não falta por aí, visto a febre de traduções neste momento ter atingido o auge do descalabro.
Cenários regulares e guarda-roupas péssimo.
                                                                                                                                                         F. S.

PAIZ – 02/10/1912
Teatro Municipal

O nosso colega Oscar Guanabarino declarou ontem ao nosso secretário que cedia o seu lugar nesta seção a qualquer dos seus companheiros, julgando todos com aptidão para exercer a crítica da peça da inteligente escritora D. Julia Lopes de Almeida e desistindo ele das suas funções oficiais nesta folha, não querendo portanto, envolver a responsabilidade do “Paiz” nos conceitos por ele formulados a tal respeito, como simples espectador e inscrevendo-se, por 24 horas, no número dos nossos colaboradores e como tal acolhido na 1ª página desta edição.

TEATRO MUNICIPAL – Quem não perdoa, drama, em três atos, de D. Julia Lopes de Almeida.

O entusiasmo pelo levantamento do teatro nacional, unido ao nome laureado de D. Julia Lopes de Almeida, chamou ontem para o teatro Municipal uma concorrência numerosa e brilhante.
A sala tinha aspecto de espetáculo de gala.
E D. Julia Lopes bem merecia que o público frequentador dos teatros acorresse a prestar-lhe aquela homenagem.
Pelos seus romances, cheios de intensa vida, pelas suas crônicas brilhantes, pelo seu estilo correto, elegante e forte, pela sua maneira “masculina” de tratar os diversos assuntos escolhidos pelo seu belo espírito, pelas ideias nobremente adiantadas que ela defende com desassombro admirável em uma época e em um meio feito de conveniências e de hipocrisias, como o nosso, D. Julia Lopes impôs definitivamente ao nosso mundo literário como um dos espíritos mais representativos da moderna literatura nacional.
É uma escritora talentosa, original e conhecidíssima, mas de um conhecimento que raia com a popularidade.
“Quem não perdoa” é um drama de flagrante atualidade e por isso mesmo o seu enredo gira ao redor de um projeto de adultério.
As cenas sucedem-se com bastante naturalidade.
Sob o aspecto da técnica dramática, é possível que o drama seja suscetível de larga censura, por falta de cenas de maior intensidade.
Isto mesmo, entretanto, compreende-se facilmente em uma peça em que a autora teve a preocupação máxima de apresentar os fatos sob uma luz de exclusiva naturalidade.
Os diversos tipos do drama, como os concebeu e criou a ilustre escritora, são individualidades que todos nós conhecemos, são tipos a cujas casas vamos, com quem conversamos com que tratamos em uma convivência por assim diária.
São por conseguinte individualidades comuns e que a escritora criou com muita fidelidade.
O que era necessário para que fosse completo o triunfo de D. Julia Lopes era que os atores estivessem na altura de compreender e de interpretar fielmente o pensamento da criadora.
Aí é que reside a grande dificuldade, a quase única dificuldade de obter uma peça em cena o mesmo sucesso que obtenha em uma leitura feita em particular. O dramaturgo cria para os artistas, mas estes é que devem criar para o público.
Infelizmente não sucedeu tal com a representação de “Quem não Perdoa”.
É possível que, se D. Julia Lopes tivesse escrito uma dessas impressionantes tragédias da antiga escola, cheia de episódios romanescos e de falas altiloquentes, a imaginação dos atores se ascendesse um pouco e conseguissem eles dar ao público uma ideia pálida e remota da criação da talentosa escritora.
O drama de ontem, porém, era de uma tão grande simplicidade, os seus tipos eram de tal maneira reais, as suas cenas eram tão naturais, que os atores não conseguiram empolgar o sentido, a essência íntima daquela criação dramática.
De maneira que a apreciada escritora fez uma peça “natural” e os atores, pela absoluta incompreensão dos seus papéis e do espírito da peça, transformaram-na em uma coisa lamentavelmente vulgar.
A Sra. Maria falcão teve em Elvira um papel de grande responsabilidade, que ela não pode interpretar.
Durante o primeiro ato, Elvira foi de uma monotonia assombrosa.
A última cena do 2º ato foi mal jogada e a queda foi simplesmente desastrada; todavia, a atriz reabilitou-se um tanto na cena final do 3º ato.
A Sra. Lucilia Peres, no papel de Ilda, muito deixou a desejar.
O seu papel exigia muita vida, muita paixão, toda a paixão que pode conter uma alma insatisfeita. Entretanto, Ilda, ainda nos movimentos de maior intensidade, adocicava a sua vozinha, num “tremolo” de harpa eólia e a cena desenrolava-se fria e sem interesse.
O Sr. A. Ramos fez um Gustavo apenas feroz, quando a escritora teve em mente criar um tipo de homem excessivamente ciumento, sobretudo arrebatado. O Gustavo, que apareceu no palco, a princípio como uma boa pessoa, muito discreto e cordato, surgiu depois como um indivíduo que quase não falava; rugia.
A Sra. Luiza de Oliveira fez com alguma naturalidade o seu papel de Angela. Os demais atores estiveram no mesmo grau que os seus colegas, que acabamos de mencionar, sendo de justiça salientar que o Sr. Ferreira de Souza conseguiu salvar numa barquinha o seu papel de Vieira.
Falemos do guarda-roupa. Este capítulo, que, em alta comédia, é de relevância capital, foi lamentavelmente descurado pela empresa do Municipal. A Sra. Lucilia Peres, por exemplo, que no 1º ato apareceu convenientemente vestida, no 2º exibiu uma túnica de Senhor dos Passos, que era simplesmente pavorosa, quando o seu papel de mulher apaixonada e a sua posição de mulher de um engenheiro, pelo menos arranjado, exigia trajo simples, convenhamos, mas absolutamente, requintadamente elegante.
Os demais atores, com algumas e pequenas modificações, seguiram neste particular as pegadas da Sra. Lucilia Peres.
Antes de falarmos da “moralidade” da peça, cumprimos o doloroso dever de pedir a Angela, que, quando lhe entrarem visitas na sala do seu sobrinho Gustavo, sala de que ela faz as honras, queira tomar-lhes os chapéus, principalmente do pobre Duduca, que não sabia se atenderia ao manuscrito do seu discurso ou ao seu malfadado chapéu.
A peça de D. Julia Lopes não é uma “tese”. A ilustre escritora descreveu apenas um fato possível. Entretanto, o que ressalta do drama, com muita lógica, é o sentimento, pena de talião, da “vingança”, mas da vingança feroz e irredutível.
É certo que a autora não doutrinou semelhante sentimento; mas o denrolar do drama e principalmente o final encarregam-se facilmente de incutir esse sentimento nos ânimos menos preparados para assistirem a essas cenas.
O diálogo do 2º ato, entre Elvira e sua filha Ilda, a quem ela aconselha que, “se por acaso ama a outro homem, deve fazê-lo de maneira que não o suspeite seu marido”, não é positivamente uma doutrina para meninas de quinze anos, mas, enfim, pode existir uma mãe que dê tais conselhos.
É de justiça, entretanto, declarar que a ilustre escritora recebeu os mais francos aplausos.
Depois do 2º e do 3º ato foi chamada à cena, recebendo uma verdadeira ovação da plateia.
Hoje repete-se a peça.




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A tenacidade de Eduardo Victorino





CORREIO DA NOITE – 02/10/1912
Correio dos Teatros – Teatro Municipal

Quem não perdoa, original em três atos, de D. Julia Lopes de Almeida.
O interesse despertado pela tenacidade de Eduardo Victorino levou ao nosso primeiro teatro o que a nossa sociedade tem de requintadamente elegante.
Compareceram o Sr. presidente da República, prefeito, chefe de polícia e o mundo oficial.
Não poderemos aqui assinalar que a tentativa tenha conseguido elevar-se até a expectativa geral.
“Quem não perdoa” exige um demorado estudo e não se o pode fazer no curto perpassar de suas cenas.
O espetáculo correu no meio do maior interesse por parte do público que não regateou aplausos tanto à autora como aos artistas e ao Eduardo Victorino.
Esperamos ver D. Julia Lopes mais senhora do teatro, seus segredos, para então julgá-la com a justiça que é devida à deliciosa e fina romancista.
A sua segunda peça teatral se ressente em muitos pontos de falhas, que bastante a prejudicam; são inúmeras as situações falsas, sendo mais uma peça de fantasia que da vida real.
Encarregaram-se do desempenho artistas já nossos conhecidos cujo elogio não precisamos fazer – os estreantes portaram-se regularmente, prometendo alguma coisa para o futuro.
O que está patente é o insucesso, o verdadeiro parto da montanha. Antes tivéssemos assistido à tradução de alguma peça francesa, o que não falta por aí, visto a febre de traduções neste momento ter atingido o auge do descalabro.
Cenários regulares e guarda-roupas péssimo.
                                                                                                                                                         F. S.

PAIZ – 02/10/1912
Teatro Municipal

O nosso colega Oscar Guanabarino declarou ontem ao nosso secretário que cedia o seu lugar nesta seção a qualquer dos seus companheiros, julgando todos com aptidão para exercer a crítica da peça da inteligente escritora D. Julia Lopes de Almeida e desistindo ele das suas funções oficiais nesta folha, não querendo portanto, envolver a responsabilidade do “Paiz” nos conceitos por ele formulados a tal respeito, como simples espectador e inscrevendo-se, por 24 horas, no número dos nossos colaboradores e como tal acolhido na 1ª página desta edição.

TEATRO MUNICIPAL – Quem não perdoa, drama, em três atos, de D. Julia Lopes de Almeida.

O entusiasmo pelo levantamento do teatro nacional, unido ao nome laureado de D. Julia Lopes de Almeida, chamou ontem para o teatro Municipal uma concorrência numerosa e brilhante.
A sala tinha aspecto de espetáculo de gala.
E D. Julia Lopes bem merecia que o público frequentador dos teatros acorresse a prestar-lhe aquela homenagem.
Pelos seus romances, cheios de intensa vida, pelas suas crônicas brilhantes, pelo seu estilo correto, elegante e forte, pela sua maneira “masculina” de tratar os diversos assuntos escolhidos pelo seu belo espírito, pelas ideias nobremente adiantadas que ela defende com desassombro admirável em uma época e em um meio feito de conveniências e de hipocrisias, como o nosso, D. Julia Lopes impôs definitivamente ao nosso mundo literário como um dos espíritos mais representativos da moderna literatura nacional.
É uma escritora talentosa, original e conhecidíssima, mas de um conhecimento que raia com a popularidade.
“Quem não perdoa” é um drama de flagrante atualidade e por isso mesmo o seu enredo gira ao redor de um projeto de adultério.
As cenas sucedem-se com bastante naturalidade.
Sob o aspecto da técnica dramática, é possível que o drama seja suscetível de larga censura, por falta de cenas de maior intensidade.
Isto mesmo, entretanto, compreende-se facilmente em uma peça em que a autora teve a preocupação máxima de apresentar os fatos sob uma luz de exclusiva naturalidade.
Os diversos tipos do drama, como os concebeu e criou a ilustre escritora, são individualidades que todos nós conhecemos, são tipos a cujas casas vamos, com quem conversamos com que tratamos em uma convivência por assim diária.
São por conseguinte individualidades comuns e que a escritora criou com muita fidelidade.
O que era necessário para que fosse completo o triunfo de D. Julia Lopes era que os atores estivessem na altura de compreender e de interpretar fielmente o pensamento da criadora.
Aí é que reside a grande dificuldade, a quase única dificuldade de obter uma peça em cena o mesmo sucesso que obtenha em uma leitura feita em particular. O dramaturgo cria para os artistas, mas estes é que devem criar para o público.
Infelizmente não sucedeu tal com a representação de “Quem não Perdoa”.
É possível que, se D. Julia Lopes tivesse escrito uma dessas impressionantes tragédias da antiga escola, cheia de episódios romanescos e de falas altiloquentes, a imaginação dos atores se ascendesse um pouco e conseguissem eles dar ao público uma ideia pálida e remota da criação da talentosa escritora.
O drama de ontem, porém, era de uma tão grande simplicidade, os seus tipos eram de tal maneira reais, as suas cenas eram tão naturais, que os atores não conseguiram empolgar o sentido, a essência íntima daquela criação dramática.
De maneira que a apreciada escritora fez uma peça “natural” e os atores, pela absoluta incompreensão dos seus papéis e do espírito da peça, transformaram-na em uma coisa lamentavelmente vulgar.
A Sra. Maria falcão teve em Elvira um papel de grande responsabilidade, que ela não pode interpretar.
Durante o primeiro ato, Elvira foi de uma monotonia assombrosa.
A última cena do 2º ato foi mal jogada e a queda foi simplesmente desastrada; todavia, a atriz reabilitou-se um tanto na cena final do 3º ato.
A Sra. Lucilia Peres, no papel de Ilda, muito deixou a desejar.
O seu papel exigia muita vida, muita paixão, toda a paixão que pode conter uma alma insatisfeita. Entretanto, Ilda, ainda nos movimentos de maior intensidade, adocicava a sua vozinha, num “tremolo” de harpa eólia e a cena desenrolava-se fria e sem interesse.
O Sr. A. Ramos fez um Gustavo apenas feroz, quando a escritora teve em mente criar um tipo de homem excessivamente ciumento, sobretudo arrebatado. O Gustavo, que apareceu no palco, a princípio como uma boa pessoa, muito discreto e cordato, surgiu depois como um indivíduo que quase não falava; rugia.
A Sra. Luiza de Oliveira fez com alguma naturalidade o seu papel de Angela. Os demais atores estiveram no mesmo grau que os seus colegas, que acabamos de mencionar, sendo de justiça salientar que o Sr. Ferreira de Souza conseguiu salvar numa barquinha o seu papel de Vieira.
Falemos do guarda-roupa. Este capítulo, que, em alta comédia, é de relevância capital, foi lamentavelmente descurado pela empresa do Municipal. A Sra. Lucilia Peres, por exemplo, que no 1º ato apareceu convenientemente vestida, no 2º exibiu uma túnica de Senhor dos Passos, que era simplesmente pavorosa, quando o seu papel de mulher apaixonada e a sua posição de mulher de um engenheiro, pelo menos arranjado, exigia trajo simples, convenhamos, mas absolutamente, requintadamente elegante.
Os demais atores, com algumas e pequenas modificações, seguiram neste particular as pegadas da Sra. Lucilia Peres.
Antes de falarmos da “moralidade” da peça, cumprimos o doloroso dever de pedir a Angela, que, quando lhe entrarem visitas na sala do seu sobrinho Gustavo, sala de que ela faz as honras, queira tomar-lhes os chapéus, principalmente do pobre Duduca, que não sabia se atenderia ao manuscrito do seu discurso ou ao seu malfadado chapéu.
A peça de D. Julia Lopes não é uma “tese”. A ilustre escritora descreveu apenas um fato possível. Entretanto, o que ressalta do drama, com muita lógica, é o sentimento, pena de talião, da “vingança”, mas da vingança feroz e irredutível.
É certo que a autora não doutrinou semelhante sentimento; mas o denrolar do drama e principalmente o final encarregam-se facilmente de incutir esse sentimento nos ânimos menos preparados para assistirem a essas cenas.
O diálogo do 2º ato, entre Elvira e sua filha Ilda, a quem ela aconselha que, “se por acaso ama a outro homem, deve fazê-lo de maneira que não o suspeite seu marido”, não é positivamente uma doutrina para meninas de quinze anos, mas, enfim, pode existir uma mãe que dê tais conselhos.
É de justiça, entretanto, declarar que a ilustre escritora recebeu os mais francos aplausos.
Depois do 2º e do 3º ato foi chamada à cena, recebendo uma verdadeira ovação da plateia.
Hoje repete-se a peça.




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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A Temporada de 1912


COMMERCIO – Edição da Tarde – 01/10/1912
O Theatro Nacional – A Temporada de 1912

Abre-se hoje, enfim, a tão ansiosamente esperada estação de teatro nacional, correspondente ao ano de intensa política que é este de 1912.
Muito foi dito e escrito este ano a propósito do teatro brasileiro. Os mestres mais abalizados da crítica indígena, os nossos dramaturgos mais conspícuos e os literatos de maior fama no nosso meio intelectual tiveram, por vezes, ensejos de manifestarem as suas opiniões sobre a sindromática complexidade de causas que preside a formação do nosso teatro, segundo uns, ou que representa o motivo por que não possuímos teatro, segundo outros, os pessimistas ou descontentes.
Houve mesmo quem dissesse, interpelado sobre o assunto, que o teatro só floresceu entre nós durante os nossos melífluos tempos de romantismo: “Martins Penna foi o clímax do diálogo bem conduzido. Alencar e Macedo eram a última palavra da naturalidade e das situações bem achadas. In illo tempore sim! o teatro significava alguma coisa. Mas hoje! Cópias mal feitas do teatro francês, nada mais...”
Outros, em compensação, acharam que o nosso teatro corre às mil maravilhas, e chegaram mesmo a fixar uma época mais ou menos remota para a realização integral dos nossos ideais de cena.
Quantas fossem as pessoas ouvidas, tantas seriam as opiniões expendidas sobre o assunto.
A única conclusão a tirar dessa enorme diversidade de opiniões, conclusão que ressalta em linha reta, é que em matéria de teatro vivemos ainda no caos inicial que significa a futura formação de um todo homogêneo e de traços regulares.
A regularidade desses traços, a homogeneidade desse todo, vem se acentuando de maneira muito promissora. E aqui está, para prova prática do que vai sendo o nosso teatro, para argumento decisivo em favor das boas condições da cena brasileira, a temporada teatral do ano corrente.
O quanto ela representa de sacrifícios, de energia despendida, de boa vontade posta em prática para a realização de um alto ideal, é fácil calcular ao primeiro exame da questão.
O Teatro Nacional até agora cifrava-se no seguinte: Algumas peças boas, com amplas condições cênicas, escritas por poucos autores de real valia. Isto quanto às letras de teatro. Quanto à cena propriamente dita, tudo era dispersão e desconexidade. Os poucos atores de talento que possuímos vivem, em geral, entregues a mais deplorável das condições a que se pode deixar levar um artista: é a situação falsa e deprimente das revistas e pochades que, do duplo sentido que as caracterizava outrora já são feitas agora, em via de regra, no calão reles das zonas rasteiras, em que se compraz à parte mais suspeita do nosso público. O nosso público verdadeiro, este evita cuidadosamente esses gêneros de teatrice em que tantos talentos, ou, pelo menos, tantas boas aptidões se afundam com grave risco de se estiolarem por completo.
Em um golpe de vista rápido, é este o estado geral do nosso teatro, ou melhor das nossas condições de cena, observado o tríplice elemento de autor, ator e público.
Fazer com que surja deste caos alguma coisa apreciável e que possa interessar de fato a parte inteligente do nosso público, não é, como dizíamos, empresa de pequena monta. As dificuldades, supomos, sucedem-se a cada passo. A um entrave que se consegue por de lado, sucederão fatalmente uma nova legião de entraves. Em tais condições, tomar a si a organização de uma companhia nacional era, sem dúvida alguma, empresa sob todos os pontos de vista temerária. Demais, estão ainda latentes os grandes ressentimentos de autores, intérpretes, juízes e empresa, que a última temporada oficial do nosso teatro causou.
A perspectiva de êxito para quem se propusesse tomar a si a empresa da presente temporada, era, não há negar, absolutamente restrita...
***
Tomou a si o encargo, como é do domínio público, o Sr. Eduardo Victorino.
Sem dúvida, este nome já era por si só um belo indício de vitória. Boa vontade, capacidade de trabalho e um perfeito conhecimento do métiernão faltam, de forma alguma, ao conhecido empresário, que é uma das figuras mais simpáticas dos que se interessam pelo ideal prático do teatro entre nós.
O Sr. Eduardo Victorino tomou a si a empresa e começou a trabalhar. Trabalhou muito e continua trabalhando sem repousar um minuto.
Em compensação do trabalho, a obra está-se realizando magnificamente e deixa prever, bem ao contrário do que sucedia a princípio, um bom êxito completo.
Isto terão ensejo de verificar os que assistirem dentro de poucas horas, à première das premières que é a peça de D. Júlia Lopes de Almeida, intitulada Quem não perdôa.
***
O Teatro Municipal apresentava ontem à tarde um aspecto de grande movimento como é natural na véspera da inauguração de uma temporada.
Quem não conhece esta azáfama interessante em que se procuram descobrir as últimas falhas, em que os menores detalhes aparecem aos olhos das pessoas interessadas como graves defeitos de significação definitiva no êxito da peça que se representa?
Escritores, jornalistas, atores, o pessoal técnico, premiam-se pelas vastas dependências do teatro ocupadas uns com as últimas disposições, outros com as notas da reportagem que, aliás, tem-se mostrado digna de todos os louvores nas notícias que vem fornecendo ao público sobre preparativos da temporada.
O Sr. Eduardo Victorino, a alma radiosa de todo o conjunto, a figura central para onde convergiam todos os olhares e todas as consultas, mal tinha tempo para atender com alguma calma aos que o procuravam.
Conseguimos, não obstante, falar-lhe ligeiramente, durante cinco minutos de repouso, no confortável sofá do seu gabinete.
Apesar das grandes preocupações, a sua fisionomia mantinha inalterável a linha de fidalguia que tão simpaticamente a caracteriza.
E, amável e sorridente, o Sr. Eduardo Victorino acudiu rápido, à nossa pergunta:
- Sim. Creio firmemente no bom êxito da temporada. As principais dificuldades, que – convém notar – não foram mesmo em grande número, estão todas resolvidas. E se todas as aparências não iludem, teremos alguma coisa que de fato se assemelhe a verdadeiro teatro.
- Parece-lhe então que esta temporada corresponde realmente a um movimento decisivo em prol do nosso Teatro?
- Sem dúvida alguma. Havia muitas forças dispersas e que, devidamente aproveitadas, deviam dar um resultado absolutamente satisfatório. Uma questão de método, nada mais.
Resolvi, certa manhã, tomar a mim a responsabilidade da empresa. Trinta e seis horas após a minha resolução já tinha comigo o contrato assinado e escolhido todos os artistas. Desde então não tenho descansado.
Precisamente (e há uma interessante coincidência nos números) trinta e seis dias depois de haver resolvido ser o empresário da Companhia, será levada à cena a primeira peça. Apesar da grande rapidez com que tenho agido, estou inteiramente certo de não haver precipitado o mínimo detalhe para o mais satisfatório desempenho da missão que me impus.
As peças estão sendo ensaiadas com a maior atenção. E tenho muito prazer em verificar que os autores têm sido colaboradores preciosos na encenação das suas peças. Não há da parte de nenhum deles esse espírito rotineiro de magister dixit que supõe absolutamente definitivas todas as situações da peça e mesmo todas as palavras do original. Todos nós temos sido aqui dentro colaboradores bem intencionados para a consecução de um fim comum que nos é igualmente caro e pelo qual, sem preferências prejudiciais, tanto nos interessamos.
Quanto ao mérito das peças que vão ser representadas, não compete a mim falar. Entretanto, bastam os nomes para deixar prever, por este lado, o inteiro êxito da empresa.
Os atores têm-se esforçado enormemente por dar cumprimento cabal aos seus papéis. Não houve até agora a mais leve desinteligência entre eles, e isto por si só já significa muito em favor do sucesso da temporada.
Tudo corre harmoniosamente. Não há por conseguinte, motivos de apreensão.
O Teatro Nacional, dentro da relatividade da sua significação, é sob todos os pontos de vista uma realidade entre nós. Isto é: vamos ver inteligentemente interpretados, como o fruto de um trabalho honesto, originais de escritores brasileiros que têm a sua reputação firmada nas letras e cujos trabalhos agradarão, sem dúvida, em toda a linha.
***  
A pouco e pouco, vinham chegando ao gabinete do Sr. Eduardo Victorino as pessoas que na ante-sala esperavam ansiosas a sua saída.
Saímos. E antes de deixarmos o Teatro, percorremos ainda com o simpático empresário a vasta rampa cênica, onde se via, na mais completa desordem, um sem número de partes de cenários, portas, croquis, móveis, etc.
E o Sr. Eduardo Victorino acrescentou ainda, mostrando os objetos:
- Note que tudo isso isto é, tanto quanto possível, natural. Essas portas, quando se lhes bater o dedo, darão o ruído das portas verdadeiras. Essas paisagens têm perspectiva e cores naturais...
Evidentemente, raciocinamos ao sair, merecem aplausos os grandes esforços que para a realização de um bom tempo. A temporada de arte nacional, tem, sem esmorecer posto em prática o Sr. Eduardo Victorino.
                                                                                                                                                             L.C.

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A Temporada de 1912


COMMERCIO – Edição da Tarde – 01/10/1912
O Theatro Nacional – A Temporada de 1912

Abre-se hoje, enfim, a tão ansiosamente esperada estação de teatro nacional, correspondente ao ano de intensa política que é este de 1912.
Muito foi dito e escrito este ano a propósito do teatro brasileiro. Os mestres mais abalizados da crítica indígena, os nossos dramaturgos mais conspícuos e os literatos de maior fama no nosso meio intelectual tiveram, por vezes, ensejos de manifestarem as suas opiniões sobre a sindromática complexidade de causas que preside a formação do nosso teatro, segundo uns, ou que representa o motivo por que não possuímos teatro, segundo outros, os pessimistas ou descontentes.
Houve mesmo quem dissesse, interpelado sobre o assunto, que o teatro só floresceu entre nós durante os nossos melífluos tempos de romantismo: “Martins Penna foi o clímax do diálogo bem conduzido. Alencar e Macedo eram a última palavra da naturalidade e das situações bem achadas. In illo tempore sim! o teatro significava alguma coisa. Mas hoje! Cópias mal feitas do teatro francês, nada mais...”
Outros, em compensação, acharam que o nosso teatro corre às mil maravilhas, e chegaram mesmo a fixar uma época mais ou menos remota para a realização integral dos nossos ideais de cena.
Quantas fossem as pessoas ouvidas, tantas seriam as opiniões expendidas sobre o assunto.
A única conclusão a tirar dessa enorme diversidade de opiniões, conclusão que ressalta em linha reta, é que em matéria de teatro vivemos ainda no caos inicial que significa a futura formação de um todo homogêneo e de traços regulares.
A regularidade desses traços, a homogeneidade desse todo, vem se acentuando de maneira muito promissora. E aqui está, para prova prática do que vai sendo o nosso teatro, para argumento decisivo em favor das boas condições da cena brasileira, a temporada teatral do ano corrente.
O quanto ela representa de sacrifícios, de energia despendida, de boa vontade posta em prática para a realização de um alto ideal, é fácil calcular ao primeiro exame da questão.
O Teatro Nacional até agora cifrava-se no seguinte: Algumas peças boas, com amplas condições cênicas, escritas por poucos autores de real valia. Isto quanto às letras de teatro. Quanto à cena propriamente dita, tudo era dispersão e desconexidade. Os poucos atores de talento que possuímos vivem, em geral, entregues a mais deplorável das condições a que se pode deixar levar um artista: é a situação falsa e deprimente das revistas e pochades que, do duplo sentido que as caracterizava outrora já são feitas agora, em via de regra, no calão reles das zonas rasteiras, em que se compraz à parte mais suspeita do nosso público. O nosso público verdadeiro, este evita cuidadosamente esses gêneros de teatrice em que tantos talentos, ou, pelo menos, tantas boas aptidões se afundam com grave risco de se estiolarem por completo.
Em um golpe de vista rápido, é este o estado geral do nosso teatro, ou melhor das nossas condições de cena, observado o tríplice elemento de autor, ator e público.
Fazer com que surja deste caos alguma coisa apreciável e que possa interessar de fato a parte inteligente do nosso público, não é, como dizíamos, empresa de pequena monta. As dificuldades, supomos, sucedem-se a cada passo. A um entrave que se consegue por de lado, sucederão fatalmente uma nova legião de entraves. Em tais condições, tomar a si a organização de uma companhia nacional era, sem dúvida alguma, empresa sob todos os pontos de vista temerária. Demais, estão ainda latentes os grandes ressentimentos de autores, intérpretes, juízes e empresa, que a última temporada oficial do nosso teatro causou.
A perspectiva de êxito para quem se propusesse tomar a si a empresa da presente temporada, era, não há negar, absolutamente restrita...
***
Tomou a si o encargo, como é do domínio público, o Sr. Eduardo Victorino.
Sem dúvida, este nome já era por si só um belo indício de vitória. Boa vontade, capacidade de trabalho e um perfeito conhecimento do métier não faltam, de forma alguma, ao conhecido empresário, que é uma das figuras mais simpáticas dos que se interessam pelo ideal prático do teatro entre nós.
O Sr. Eduardo Victorino tomou a si a empresa e começou a trabalhar. Trabalhou muito e continua trabalhando sem repousar um minuto.
Em compensação do trabalho, a obra está-se realizando magnificamente e deixa prever, bem ao contrário do que sucedia a princípio, um bom êxito completo.
Isto terão ensejo de verificar os que assistirem dentro de poucas horas, à première das premières que é a peça de D. Júlia Lopes de Almeida, intitulada Quem não perdôa.
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O Teatro Municipal apresentava ontem à tarde um aspecto de grande movimento como é natural na véspera da inauguração de uma temporada.
Quem não conhece esta azáfama interessante em que se procuram descobrir as últimas falhas, em que os menores detalhes aparecem aos olhos das pessoas interessadas como graves defeitos de significação definitiva no êxito da peça que se representa?
Escritores, jornalistas, atores, o pessoal técnico, premiam-se pelas vastas dependências do teatro ocupadas uns com as últimas disposições, outros com as notas da reportagem que, aliás, tem-se mostrado digna de todos os louvores nas notícias que vem fornecendo ao público sobre preparativos da temporada.
O Sr. Eduardo Victorino, a alma radiosa de todo o conjunto, a figura central para onde convergiam todos os olhares e todas as consultas, mal tinha tempo para atender com alguma calma aos que o procuravam.
Conseguimos, não obstante, falar-lhe ligeiramente, durante cinco minutos de repouso, no confortável sofá do seu gabinete.
Apesar das grandes preocupações, a sua fisionomia mantinha inalterável a linha de fidalguia que tão simpaticamente a caracteriza.
E, amável e sorridente, o Sr. Eduardo Victorino acudiu rápido, à nossa pergunta:
- Sim. Creio firmemente no bom êxito da temporada. As principais dificuldades, que – convém notar – não foram mesmo em grande número, estão todas resolvidas. E se todas as aparências não iludem, teremos alguma coisa que de fato se assemelhe a verdadeiro teatro.
- Parece-lhe então que esta temporada corresponde realmente a um movimento decisivo em prol do nosso Teatro?
- Sem dúvida alguma. Havia muitas forças dispersas e que, devidamente aproveitadas, deviam dar um resultado absolutamente satisfatório. Uma questão de método, nada mais.
Resolvi, certa manhã, tomar a mim a responsabilidade da empresa. Trinta e seis horas após a minha resolução já tinha comigo o contrato assinado e escolhido todos os artistas. Desde então não tenho descansado.
Precisamente (e há uma interessante coincidência nos números) trinta e seis dias depois de haver resolvido ser o empresário da Companhia, será levada à cena a primeira peça. Apesar da grande rapidez com que tenho agido, estou inteiramente certo de não haver precipitado o mínimo detalhe para o mais satisfatório desempenho da missão que me impus.
As peças estão sendo ensaiadas com a maior atenção. E tenho muito prazer em verificar que os autores têm sido colaboradores preciosos na encenação das suas peças. Não há da parte de nenhum deles esse espírito rotineiro de magister dixit que supõe absolutamente definitivas todas as situações da peça e mesmo todas as palavras do original. Todos nós temos sido aqui dentro colaboradores bem intencionados para a consecução de um fim comum que nos é igualmente caro e pelo qual, sem preferências prejudiciais, tanto nos interessamos.
Quanto ao mérito das peças que vão ser representadas, não compete a mim falar. Entretanto, bastam os nomes para deixar prever, por este lado, o inteiro êxito da empresa.
Os atores têm-se esforçado enormemente por dar cumprimento cabal aos seus papéis. Não houve até agora a mais leve desinteligência entre eles, e isto por si só já significa muito em favor do sucesso da temporada.
Tudo corre harmoniosamente. Não há por conseguinte, motivos de apreensão.
O Teatro Nacional, dentro da relatividade da sua significação, é sob todos os pontos de vista uma realidade entre nós. Isto é: vamos ver inteligentemente interpretados, como o fruto de um trabalho honesto, originais de escritores brasileiros que têm a sua reputação firmada nas letras e cujos trabalhos agradarão, sem dúvida, em toda a linha.
***  
A pouco e pouco, vinham chegando ao gabinete do Sr. Eduardo Victorino as pessoas que na ante-sala esperavam ansiosas a sua saída.
Saímos. E antes de deixarmos o Teatro, percorremos ainda com o simpático empresário a vasta rampa cênica, onde se via, na mais completa desordem, um sem número de partes de cenários, portas, croquis, móveis, etc.
E o Sr. Eduardo Victorino acrescentou ainda, mostrando os objetos:
- Note que tudo isso isto é, tanto quanto possível, natural. Essas portas, quando se lhes bater o dedo, darão o ruído das portas verdadeiras. Essas paisagens têm perspectiva e cores naturais...
Evidentemente, raciocinamos ao sair, merecem aplausos os grandes esforços que para a realização de um bom tempo. A temporada de arte nacional, tem, sem esmorecer posto em prática o Sr. Eduardo Victorino.
                                                                                                                                                             L.C.

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quinta-feira, 10 de janeiro de 2013


NOTÍCIA – 03/10/1912

Ainda se fala na estreia da Companhia Brasileira no Theatro Municipal. Todas as pessoas que afixam intelectualidade discutem a peça e as críticas. Tota caput, tota sententia. Em qualquer outro país Quem não perdoa teria, pelo menos, 50 representações. Aqui, como se discute, se fala, se critica, se comenta, sem conhecer o caso ou a coisa, não terá nem uma dezena.
O que se tem elogiado e aplaudido incondicionalmente é o esforço, a energia, a atividade do empresário Eduardo Victorino. Nenhum outro faria em tão curto espaço de tempo o que S. S. fez. É admirável. Em menos de dois meses organizou uma troupe afinada, montou uma peça, mandou fazer cenários novos, adquiriu material e iniciou os trabalhos.
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O público deve frequentar o Municipal. Mesmo pondo de parte a peça e a companhia, é um prazer para os olhos, para o corpo, para o espírito, passar uma pessoa três horas nesse theatro confortável e suntuoso.



FOLHA DO DIA – 02/10/1912
No Municipal
A estreia da Companhia Nacional com a peça “Quem não Perdôa”, de D. Julia Lopes

Perante numerosíssima assistência, que enchia literalmente todas as dependências do vasto Theatro Municipal, subiu à cena, ontem à noite, a peça de D. Julia Lopes, intitulada “Quem não perdôa”.
A ação da peça, desenvolvida sobre um tema social, pode ser dividida em duas partes, se atendermos a evolução e ao desencadeamento dos vários fatos que vem conduzindo, as diversas situações, ao desfecho da mesma.
D. Julia Lopes analisa no “Quem não Perdôa” a impunidade dos maridos que, ao sentirem-se ultrajados, se arrogam o direito de cravar um punhal na esposa adúltera, único processo, aliás mantido hoje nos nossos costumes para lavar-se a honra enxovalhada, sem que haja nos preceitos da Moralque os fez assassinos, uma palavra ao menos que torne menos odiosa a situação da mulher infiel, por circunstâncias que não são de pronto examinadas nem admitidas.
Em vista desse completo desprezo pela criatura amaldiçoada, mesmo já tombada pelo braço vingativo de um marido impulsivo, faz-se mister o aparecimento de uma voz amiga, de um coração grande que encare as situações pela sua verdadeira feição, e que, mais cedo ou mais tarde, contradizendo quase todas as opiniões, em desarmonia com a própria sociedade, com os seus próprios temas, venha defender ou vingar a mísera culpada de tanta difamação.
Essa voz amiga, esse coração grande reside na alma nobre de uma mãe abnegada.
Trata-se, pois, no original de D. Julia Lopes, ontem aplaudido entusiasticamente por uma culta plateia de caracterizar bem a figura desse marido vingativo e impune, e dessa mulher cujo amor maternal vai aos excessos de um crime, em virtude da morte da sua filha, da sua criatura.
D. Elvira tem uma filha que representa para si, uma vida de imensos sacrifícios, pois que muito a custo vai sendo educada num meio honesto e digno. Um dia apareceu-lhe em casa o Sr. Gustavo Ribas, pretendendo a mão de Ilda a sua criatura.
A custo, fazendo observar ao seu futuro genro, toda a responsabilidade que lhe cairia sobre os ombros, consente no casamento.
Ilda, que sentira despertar, em sua alma nova, as ardências de um novo amor, de uma paixão criminosa, mas natural, deixa enlevar-se por Manoel Ramires, o que lhe vale o castigo impiedoso de Gustavo, tornado assassino da esposa no momento em que a surpreende nos braços do amante.
No 3º ato, passado o tempo do processo, Gustavo volta ao lar depois de ser absolvido unanimemente, para ser recebido festivamente pela mesma sociedade em cujo meio se desenrolou o crime.
Todos o cumprimentam e felicitam; há até uma jovem enamorada que lhe dedica um olhar demorado.
Mas nesse ínterim surge o cão de fila o esperto vigilante, personificado na figura estóica de uma mãe que vinga a morte de sua filha, quando o assassino dela era quase coberto de flores.
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O desempenho da peça esteve entregue aos cuidados dos artistas Maria Falcão, Lucilia Peres, Luiza de Oliveira e dos senhores Ferreira de Souza, Antonio Ramos, Alvaro Costa, João Barbosa e outros comparsas secundários.
Maria Falcão soube identificar-se do melhor modo possível com o personagem principal da peça de D. Julia Lopes. A mesma “Elvira”, doce, meiga, que recebe a confissão do amor de sua filha por Gustavo, no 1º ato, transforma-se, brutaliza-se, para cair sobre o homem que lhe roubara toda a sua infelicidade e toda a sua ventura.
Lucilia Peres foi conscienciosa, sabendo tirar das situações que apareciam no desenrolar da ação, os melhores resultados para fazer valer o seu merecimento.
Antonio Ramos, um pouco violento. Os outros, entre eles Ferreira de Souza e João Barbosa, embora em plano secundário, portaram-se com discrição e comedimento.
D. Julia Lopes foi chamada à ribalta várias vezes, no final dos 2º e 3º atos, sendo recebida com os mais entusiásticos aplausos. Muitos jornalistas e homens de letras foram cumprimentá-la na caixa.
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Amanhã transmitiremos aos leitores as impressões que nos ficaram do espetáculo de ontem e do original com que D. Julia Lopes defendeu o seu difícil tema.

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