COMMERCIO – Edição da Tarde – 01/10/1912
O Theatro Nacional – A Temporada
de 1912
Abre-se
hoje, enfim, a tão ansiosamente esperada estação de teatro nacional,
correspondente ao ano de intensa política que é este de 1912.
Muito foi
dito e escrito este ano a propósito do teatro brasileiro. Os mestres mais
abalizados da crítica indígena, os nossos dramaturgos mais conspícuos e os
literatos de maior fama no nosso meio intelectual tiveram, por vezes, ensejos
de manifestarem as suas opiniões sobre a sindromática complexidade de causas
que preside a formação do nosso teatro, segundo uns, ou que representa o motivo
por que não possuímos teatro, segundo outros, os pessimistas ou descontentes.
Houve mesmo
quem dissesse, interpelado sobre o assunto, que o teatro só floresceu entre nós
durante os nossos melífluos tempos de romantismo: “Martins Penna foi o clímax
do diálogo bem conduzido. Alencar e Macedo eram a última palavra da
naturalidade e das situações bem achadas. In
illo tempore sim! o teatro significava alguma coisa. Mas hoje! Cópias mal
feitas do teatro francês, nada mais...”
Outros, em
compensação, acharam que o nosso teatro corre às mil maravilhas, e chegaram
mesmo a fixar uma época mais ou menos remota para a realização integral dos
nossos ideais de cena.
Quantas
fossem as pessoas ouvidas, tantas seriam as opiniões expendidas sobre o
assunto.
A única
conclusão a tirar dessa enorme diversidade de opiniões, conclusão que ressalta
em linha reta, é que em matéria de teatro vivemos ainda no caos inicial que
significa a futura formação de um todo homogêneo e de traços regulares.
A
regularidade desses traços, a homogeneidade desse todo, vem se acentuando de
maneira muito promissora. E aqui está, para prova prática do que vai sendo o
nosso teatro, para argumento decisivo em favor das boas condições da cena
brasileira, a temporada teatral do ano corrente.
O quanto
ela representa de sacrifícios, de energia despendida, de boa vontade posta em
prática para a realização de um alto ideal, é fácil calcular ao primeiro exame
da questão.
O Teatro
Nacional até agora cifrava-se no seguinte: Algumas peças boas, com amplas
condições cênicas, escritas por poucos autores de real valia. Isto quanto às
letras de teatro. Quanto à cena propriamente dita, tudo era dispersão e
desconexidade. Os poucos atores de talento que possuímos vivem, em geral,
entregues a mais deplorável das condições a que se pode deixar levar um
artista: é a situação falsa e deprimente das revistas e pochades que, do duplo sentido que as caracterizava outrora já são
feitas agora, em via de regra, no calão reles das zonas rasteiras, em que se compraz à parte mais suspeita do nosso
público. O nosso público verdadeiro, este evita cuidadosamente esses gêneros de
teatrice em que tantos talentos, ou, pelo menos, tantas boas aptidões se
afundam com grave risco de se estiolarem por completo.
Em um golpe
de vista rápido, é este o estado geral do nosso teatro, ou melhor das nossas
condições de cena, observado o tríplice elemento de autor, ator e público.
Fazer com
que surja deste caos alguma coisa apreciável e que possa interessar de fato a
parte inteligente do nosso público, não é, como dizíamos, empresa de pequena
monta. As dificuldades, supomos, sucedem-se a cada passo. A um entrave que se
consegue por de lado, sucederão fatalmente uma nova legião de entraves. Em tais
condições, tomar a si a organização de uma companhia nacional era, sem dúvida
alguma, empresa sob todos os pontos de vista temerária. Demais, estão ainda
latentes os grandes ressentimentos de autores, intérpretes, juízes e empresa,
que a última temporada oficial do nosso teatro causou.
A
perspectiva de êxito para quem se propusesse tomar a si a empresa da presente
temporada, era, não há negar, absolutamente restrita...
***
Tomou a si
o encargo, como é do domínio público, o Sr. Eduardo Victorino.
Sem dúvida,
este nome já era por si só um belo indício de vitória. Boa vontade, capacidade
de trabalho e um perfeito conhecimento do métier
não faltam, de forma alguma, ao conhecido empresário, que é uma das figuras
mais simpáticas dos que se interessam pelo ideal prático do teatro entre nós.
O Sr.
Eduardo Victorino tomou a si a empresa e começou a trabalhar. Trabalhou muito e
continua trabalhando sem repousar um minuto.
Em
compensação do trabalho, a obra está-se realizando magnificamente e deixa
prever, bem ao contrário do que sucedia a princípio, um bom êxito completo.
Isto terão
ensejo de verificar os que assistirem dentro de poucas horas, à première das premières que é a peça de D. Júlia Lopes de Almeida, intitulada Quem não perdôa.
***
O Teatro
Municipal apresentava ontem à tarde um aspecto de grande movimento como é
natural na véspera da inauguração de uma temporada.
Quem não
conhece esta azáfama interessante em que se procuram descobrir as últimas
falhas, em que os menores detalhes aparecem aos olhos das pessoas interessadas
como graves defeitos de significação definitiva no êxito da peça que se
representa?
Escritores,
jornalistas, atores, o pessoal técnico, premiam-se pelas vastas dependências do
teatro ocupadas uns com as últimas disposições, outros com as notas da
reportagem que, aliás, tem-se mostrado digna de todos os louvores nas notícias
que vem fornecendo ao público sobre preparativos da temporada.
O Sr.
Eduardo Victorino, a alma radiosa de todo o conjunto, a figura central para
onde convergiam todos os olhares e todas as consultas, mal tinha tempo para
atender com alguma calma aos que o procuravam.
Conseguimos,
não obstante, falar-lhe ligeiramente, durante cinco minutos de repouso, no
confortável sofá do seu gabinete.
Apesar das
grandes preocupações, a sua fisionomia mantinha inalterável a linha de
fidalguia que tão simpaticamente a caracteriza.
E, amável e
sorridente, o Sr. Eduardo Victorino acudiu rápido, à nossa pergunta:
- Sim.
Creio firmemente no bom êxito da temporada. As principais dificuldades, que –
convém notar – não foram mesmo em grande número, estão todas resolvidas. E se
todas as aparências não iludem, teremos alguma coisa que de fato se assemelhe a
verdadeiro teatro.
-
Parece-lhe então que esta temporada corresponde realmente a um movimento
decisivo em prol do nosso Teatro?
- Sem
dúvida alguma. Havia muitas forças dispersas e que, devidamente aproveitadas,
deviam dar um resultado absolutamente satisfatório. Uma questão de método, nada
mais.
Resolvi,
certa manhã, tomar a mim a responsabilidade da empresa. Trinta e seis horas
após a minha resolução já tinha comigo o contrato assinado e escolhido todos os
artistas. Desde então não tenho descansado.
Precisamente
(e há uma interessante coincidência nos números) trinta e seis dias depois de
haver resolvido ser o empresário da Companhia, será levada à cena a primeira
peça. Apesar da grande rapidez com que tenho agido, estou inteiramente certo de
não haver precipitado o mínimo detalhe para o mais satisfatório desempenho da
missão que me impus.
As peças
estão sendo ensaiadas com a maior atenção. E tenho muito prazer em verificar
que os autores têm sido colaboradores preciosos na encenação das suas peças.
Não há da parte de nenhum deles esse espírito rotineiro de magister dixit que supõe absolutamente definitivas todas as
situações da peça e mesmo todas as palavras do original. Todos nós temos sido
aqui dentro colaboradores bem intencionados para a consecução de um fim comum
que nos é igualmente caro e pelo qual, sem preferências prejudiciais, tanto nos
interessamos.
Quanto ao
mérito das peças que vão ser representadas, não compete a mim falar.
Entretanto, bastam os nomes para deixar prever, por este lado, o inteiro êxito
da empresa.
Os atores
têm-se esforçado enormemente por dar cumprimento cabal aos seus papéis. Não
houve até agora a mais leve desinteligência entre eles, e isto por si só já
significa muito em favor do sucesso da temporada.
Tudo corre
harmoniosamente. Não há por conseguinte, motivos de apreensão.
O Teatro
Nacional, dentro da relatividade da sua significação, é sob todos os pontos de
vista uma realidade entre nós. Isto é: vamos ver inteligentemente
interpretados, como o fruto de um trabalho honesto, originais de escritores
brasileiros que têm a sua reputação firmada nas letras e cujos trabalhos
agradarão, sem dúvida, em toda a linha.
***
A pouco e
pouco, vinham chegando ao gabinete do Sr. Eduardo Victorino as pessoas que na
ante-sala esperavam ansiosas a sua saída.
Saímos. E
antes de deixarmos o Teatro, percorremos ainda com o simpático empresário a
vasta rampa cênica, onde se via, na mais completa desordem, um sem número de
partes de cenários, portas, croquis,
móveis, etc.
E o Sr.
Eduardo Victorino acrescentou ainda, mostrando os objetos:
- Note que
tudo isso isto é, tanto quanto possível, natural. Essas portas, quando se lhes
bater o dedo, darão o ruído das portas verdadeiras. Essas paisagens têm
perspectiva e cores naturais...
Evidentemente,
raciocinamos ao sair, merecem aplausos os grandes esforços que para a
realização de um bom tempo. A temporada de arte nacional, tem, sem esmorecer
posto em prática o Sr. Eduardo Victorino.
L.C.
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