quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A Temporada de 1912


COMMERCIO – Edição da Tarde – 01/10/1912
O Theatro Nacional – A Temporada de 1912

Abre-se hoje, enfim, a tão ansiosamente esperada estação de teatro nacional, correspondente ao ano de intensa política que é este de 1912.
Muito foi dito e escrito este ano a propósito do teatro brasileiro. Os mestres mais abalizados da crítica indígena, os nossos dramaturgos mais conspícuos e os literatos de maior fama no nosso meio intelectual tiveram, por vezes, ensejos de manifestarem as suas opiniões sobre a sindromática complexidade de causas que preside a formação do nosso teatro, segundo uns, ou que representa o motivo por que não possuímos teatro, segundo outros, os pessimistas ou descontentes.
Houve mesmo quem dissesse, interpelado sobre o assunto, que o teatro só floresceu entre nós durante os nossos melífluos tempos de romantismo: “Martins Penna foi o clímax do diálogo bem conduzido. Alencar e Macedo eram a última palavra da naturalidade e das situações bem achadas. In illo tempore sim! o teatro significava alguma coisa. Mas hoje! Cópias mal feitas do teatro francês, nada mais...”
Outros, em compensação, acharam que o nosso teatro corre às mil maravilhas, e chegaram mesmo a fixar uma época mais ou menos remota para a realização integral dos nossos ideais de cena.
Quantas fossem as pessoas ouvidas, tantas seriam as opiniões expendidas sobre o assunto.
A única conclusão a tirar dessa enorme diversidade de opiniões, conclusão que ressalta em linha reta, é que em matéria de teatro vivemos ainda no caos inicial que significa a futura formação de um todo homogêneo e de traços regulares.
A regularidade desses traços, a homogeneidade desse todo, vem se acentuando de maneira muito promissora. E aqui está, para prova prática do que vai sendo o nosso teatro, para argumento decisivo em favor das boas condições da cena brasileira, a temporada teatral do ano corrente.
O quanto ela representa de sacrifícios, de energia despendida, de boa vontade posta em prática para a realização de um alto ideal, é fácil calcular ao primeiro exame da questão.
O Teatro Nacional até agora cifrava-se no seguinte: Algumas peças boas, com amplas condições cênicas, escritas por poucos autores de real valia. Isto quanto às letras de teatro. Quanto à cena propriamente dita, tudo era dispersão e desconexidade. Os poucos atores de talento que possuímos vivem, em geral, entregues a mais deplorável das condições a que se pode deixar levar um artista: é a situação falsa e deprimente das revistas e pochades que, do duplo sentido que as caracterizava outrora já são feitas agora, em via de regra, no calão reles das zonas rasteiras, em que se compraz à parte mais suspeita do nosso público. O nosso público verdadeiro, este evita cuidadosamente esses gêneros de teatrice em que tantos talentos, ou, pelo menos, tantas boas aptidões se afundam com grave risco de se estiolarem por completo.
Em um golpe de vista rápido, é este o estado geral do nosso teatro, ou melhor das nossas condições de cena, observado o tríplice elemento de autor, ator e público.
Fazer com que surja deste caos alguma coisa apreciável e que possa interessar de fato a parte inteligente do nosso público, não é, como dizíamos, empresa de pequena monta. As dificuldades, supomos, sucedem-se a cada passo. A um entrave que se consegue por de lado, sucederão fatalmente uma nova legião de entraves. Em tais condições, tomar a si a organização de uma companhia nacional era, sem dúvida alguma, empresa sob todos os pontos de vista temerária. Demais, estão ainda latentes os grandes ressentimentos de autores, intérpretes, juízes e empresa, que a última temporada oficial do nosso teatro causou.
A perspectiva de êxito para quem se propusesse tomar a si a empresa da presente temporada, era, não há negar, absolutamente restrita...
***
Tomou a si o encargo, como é do domínio público, o Sr. Eduardo Victorino.
Sem dúvida, este nome já era por si só um belo indício de vitória. Boa vontade, capacidade de trabalho e um perfeito conhecimento do métier não faltam, de forma alguma, ao conhecido empresário, que é uma das figuras mais simpáticas dos que se interessam pelo ideal prático do teatro entre nós.
O Sr. Eduardo Victorino tomou a si a empresa e começou a trabalhar. Trabalhou muito e continua trabalhando sem repousar um minuto.
Em compensação do trabalho, a obra está-se realizando magnificamente e deixa prever, bem ao contrário do que sucedia a princípio, um bom êxito completo.
Isto terão ensejo de verificar os que assistirem dentro de poucas horas, à première das premières que é a peça de D. Júlia Lopes de Almeida, intitulada Quem não perdôa.
***
O Teatro Municipal apresentava ontem à tarde um aspecto de grande movimento como é natural na véspera da inauguração de uma temporada.
Quem não conhece esta azáfama interessante em que se procuram descobrir as últimas falhas, em que os menores detalhes aparecem aos olhos das pessoas interessadas como graves defeitos de significação definitiva no êxito da peça que se representa?
Escritores, jornalistas, atores, o pessoal técnico, premiam-se pelas vastas dependências do teatro ocupadas uns com as últimas disposições, outros com as notas da reportagem que, aliás, tem-se mostrado digna de todos os louvores nas notícias que vem fornecendo ao público sobre preparativos da temporada.
O Sr. Eduardo Victorino, a alma radiosa de todo o conjunto, a figura central para onde convergiam todos os olhares e todas as consultas, mal tinha tempo para atender com alguma calma aos que o procuravam.
Conseguimos, não obstante, falar-lhe ligeiramente, durante cinco minutos de repouso, no confortável sofá do seu gabinete.
Apesar das grandes preocupações, a sua fisionomia mantinha inalterável a linha de fidalguia que tão simpaticamente a caracteriza.
E, amável e sorridente, o Sr. Eduardo Victorino acudiu rápido, à nossa pergunta:
- Sim. Creio firmemente no bom êxito da temporada. As principais dificuldades, que – convém notar – não foram mesmo em grande número, estão todas resolvidas. E se todas as aparências não iludem, teremos alguma coisa que de fato se assemelhe a verdadeiro teatro.
- Parece-lhe então que esta temporada corresponde realmente a um movimento decisivo em prol do nosso Teatro?
- Sem dúvida alguma. Havia muitas forças dispersas e que, devidamente aproveitadas, deviam dar um resultado absolutamente satisfatório. Uma questão de método, nada mais.
Resolvi, certa manhã, tomar a mim a responsabilidade da empresa. Trinta e seis horas após a minha resolução já tinha comigo o contrato assinado e escolhido todos os artistas. Desde então não tenho descansado.
Precisamente (e há uma interessante coincidência nos números) trinta e seis dias depois de haver resolvido ser o empresário da Companhia, será levada à cena a primeira peça. Apesar da grande rapidez com que tenho agido, estou inteiramente certo de não haver precipitado o mínimo detalhe para o mais satisfatório desempenho da missão que me impus.
As peças estão sendo ensaiadas com a maior atenção. E tenho muito prazer em verificar que os autores têm sido colaboradores preciosos na encenação das suas peças. Não há da parte de nenhum deles esse espírito rotineiro de magister dixit que supõe absolutamente definitivas todas as situações da peça e mesmo todas as palavras do original. Todos nós temos sido aqui dentro colaboradores bem intencionados para a consecução de um fim comum que nos é igualmente caro e pelo qual, sem preferências prejudiciais, tanto nos interessamos.
Quanto ao mérito das peças que vão ser representadas, não compete a mim falar. Entretanto, bastam os nomes para deixar prever, por este lado, o inteiro êxito da empresa.
Os atores têm-se esforçado enormemente por dar cumprimento cabal aos seus papéis. Não houve até agora a mais leve desinteligência entre eles, e isto por si só já significa muito em favor do sucesso da temporada.
Tudo corre harmoniosamente. Não há por conseguinte, motivos de apreensão.
O Teatro Nacional, dentro da relatividade da sua significação, é sob todos os pontos de vista uma realidade entre nós. Isto é: vamos ver inteligentemente interpretados, como o fruto de um trabalho honesto, originais de escritores brasileiros que têm a sua reputação firmada nas letras e cujos trabalhos agradarão, sem dúvida, em toda a linha.
***  
A pouco e pouco, vinham chegando ao gabinete do Sr. Eduardo Victorino as pessoas que na ante-sala esperavam ansiosas a sua saída.
Saímos. E antes de deixarmos o Teatro, percorremos ainda com o simpático empresário a vasta rampa cênica, onde se via, na mais completa desordem, um sem número de partes de cenários, portas, croquis, móveis, etc.
E o Sr. Eduardo Victorino acrescentou ainda, mostrando os objetos:
- Note que tudo isso isto é, tanto quanto possível, natural. Essas portas, quando se lhes bater o dedo, darão o ruído das portas verdadeiras. Essas paisagens têm perspectiva e cores naturais...
Evidentemente, raciocinamos ao sair, merecem aplausos os grandes esforços que para a realização de um bom tempo. A temporada de arte nacional, tem, sem esmorecer posto em prática o Sr. Eduardo Victorino.
                                                                                                                                                             L.C.

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