NOTÍCIA – 03/10/1912
Ainda se fala na estreia da Companhia Brasileira no Theatro Municipal. Todas as pessoas que afixam intelectualidade discutem a peça e as críticas. Tota caput, tota sententia. Em qualquer outro país Quem não perdoa teria, pelo menos, 50 representações. Aqui, como se discute, se fala, se critica, se comenta, sem conhecer o caso ou a coisa, não terá nem uma dezena.
O que se tem elogiado e aplaudido incondicionalmente é o esforço, a energia, a atividade do empresário Eduardo Victorino. Nenhum outro faria em tão curto espaço de tempo o que S. S. fez. É admirável. Em menos de dois meses organizou uma troupe afinada, montou uma peça, mandou fazer cenários novos, adquiriu material e iniciou os trabalhos.
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O público deve frequentar o Municipal. Mesmo pondo de parte a peça e a companhia, é um prazer para os olhos, para o corpo, para o espírito, passar uma pessoa três horas nesse theatro confortável e suntuoso.
FOLHA DO DIA – 02/10/1912
No Municipal
A estreia da Companhia Nacional com a peça “Quem não Perdôa”, de D. Julia Lopes
Perante numerosíssima assistência, que enchia literalmente todas as dependências do vasto Theatro Municipal, subiu à cena, ontem à noite, a peça de D. Julia Lopes, intitulada “Quem não perdôa”.
A ação da peça, desenvolvida sobre um tema social, pode ser dividida em duas partes, se atendermos a evolução e ao desencadeamento dos vários fatos que vem conduzindo, as diversas situações, ao desfecho da mesma.
D. Julia Lopes analisa no “Quem não Perdôa” a impunidade dos maridos que, ao sentirem-se ultrajados, se arrogam o direito de cravar um punhal na esposa adúltera, único processo, aliás mantido hoje nos nossos costumes para lavar-se a honra enxovalhada, sem que haja nos preceitos da Moralque os fez assassinos, uma palavra ao menos que torne menos odiosa a situação da mulher infiel, por circunstâncias que não são de pronto examinadas nem admitidas.
Em vista desse completo desprezo pela criatura amaldiçoada, mesmo já tombada pelo braço vingativo de um marido impulsivo, faz-se mister o aparecimento de uma voz amiga, de um coração grande que encare as situações pela sua verdadeira feição, e que, mais cedo ou mais tarde, contradizendo quase todas as opiniões, em desarmonia com a própria sociedade, com os seus próprios temas, venha defender ou vingar a mísera culpada de tanta difamação.
Essa voz amiga, esse coração grande reside na alma nobre de uma mãe abnegada.
Trata-se, pois, no original de D. Julia Lopes, ontem aplaudido entusiasticamente por uma culta plateia de caracterizar bem a figura desse marido vingativo e impune, e dessa mulher cujo amor maternal vai aos excessos de um crime, em virtude da morte da sua filha, da sua criatura.
D. Elvira tem uma filha que representa para si, uma vida de imensos sacrifícios, pois que muito a custo vai sendo educada num meio honesto e digno. Um dia apareceu-lhe em casa o Sr. Gustavo Ribas, pretendendo a mão de Ilda a sua criatura.
A custo, fazendo observar ao seu futuro genro, toda a responsabilidade que lhe cairia sobre os ombros, consente no casamento.
Ilda, que sentira despertar, em sua alma nova, as ardências de um novo amor, de uma paixão criminosa, mas natural, deixa enlevar-se por Manoel Ramires, o que lhe vale o castigo impiedoso de Gustavo, tornado assassino da esposa no momento em que a surpreende nos braços do amante.
No 3º ato, passado o tempo do processo, Gustavo volta ao lar depois de ser absolvido unanimemente, para ser recebido festivamente pela mesma sociedade em cujo meio se desenrolou o crime.
Todos o cumprimentam e felicitam; há até uma jovem enamorada que lhe dedica um olhar demorado.
Mas nesse ínterim surge o cão de fila o esperto vigilante, personificado na figura estóica de uma mãe que vinga a morte de sua filha, quando o assassino dela era quase coberto de flores.
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O desempenho da peça esteve entregue aos cuidados dos artistas Maria Falcão, Lucilia Peres, Luiza de Oliveira e dos senhores Ferreira de Souza, Antonio Ramos, Alvaro Costa, João Barbosa e outros comparsas secundários.
Maria Falcão soube identificar-se do melhor modo possível com o personagem principal da peça de D. Julia Lopes. A mesma “Elvira”, doce, meiga, que recebe a confissão do amor de sua filha por Gustavo, no 1º ato, transforma-se, brutaliza-se, para cair sobre o homem que lhe roubara toda a sua infelicidade e toda a sua ventura.
Lucilia Peres foi conscienciosa, sabendo tirar das situações que apareciam no desenrolar da ação, os melhores resultados para fazer valer o seu merecimento.
Antonio Ramos, um pouco violento. Os outros, entre eles Ferreira de Souza e João Barbosa, embora em plano secundário, portaram-se com discrição e comedimento.
D. Julia Lopes foi chamada à ribalta várias vezes, no final dos 2º e 3º atos, sendo recebida com os mais entusiásticos aplausos. Muitos jornalistas e homens de letras foram cumprimentá-la na caixa.
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Amanhã transmitiremos aos leitores as impressões que nos ficaram do espetáculo de ontem e do original com que D. Julia Lopes defendeu o seu difícil tema.
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