quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A tenacidade de Eduardo Victorino





CORREIO DA NOITE – 02/10/1912
Correio dos Teatros – Teatro Municipal

Quem não perdoa, original em três atos, de D. Julia Lopes de Almeida.
O interesse despertado pela tenacidade de Eduardo Victorino levou ao nosso primeiro teatro o que a nossa sociedade tem de requintadamente elegante.
Compareceram o Sr. presidente da República, prefeito, chefe de polícia e o mundo oficial.
Não poderemos aqui assinalar que a tentativa tenha conseguido elevar-se até a expectativa geral.
“Quem não perdoa” exige um demorado estudo e não se o pode fazer no curto perpassar de suas cenas.
O espetáculo correu no meio do maior interesse por parte do público que não regateou aplausos tanto à autora como aos artistas e ao Eduardo Victorino.
Esperamos ver D. Julia Lopes mais senhora do teatro, seus segredos, para então julgá-la com a justiça que é devida à deliciosa e fina romancista.
A sua segunda peça teatral se ressente em muitos pontos de falhas, que bastante a prejudicam; são inúmeras as situações falsas, sendo mais uma peça de fantasia que da vida real.
Encarregaram-se do desempenho artistas já nossos conhecidos cujo elogio não precisamos fazer – os estreantes portaram-se regularmente, prometendo alguma coisa para o futuro.
O que está patente é o insucesso, o verdadeiro parto da montanha. Antes tivéssemos assistido à tradução de alguma peça francesa, o que não falta por aí, visto a febre de traduções neste momento ter atingido o auge do descalabro.
Cenários regulares e guarda-roupas péssimo.
                                                                                                                                                         F. S.

PAIZ – 02/10/1912
Teatro Municipal

O nosso colega Oscar Guanabarino declarou ontem ao nosso secretário que cedia o seu lugar nesta seção a qualquer dos seus companheiros, julgando todos com aptidão para exercer a crítica da peça da inteligente escritora D. Julia Lopes de Almeida e desistindo ele das suas funções oficiais nesta folha, não querendo portanto, envolver a responsabilidade do “Paiz” nos conceitos por ele formulados a tal respeito, como simples espectador e inscrevendo-se, por 24 horas, no número dos nossos colaboradores e como tal acolhido na 1ª página desta edição.

TEATRO MUNICIPAL – Quem não perdoa, drama, em três atos, de D. Julia Lopes de Almeida.

O entusiasmo pelo levantamento do teatro nacional, unido ao nome laureado de D. Julia Lopes de Almeida, chamou ontem para o teatro Municipal uma concorrência numerosa e brilhante.
A sala tinha aspecto de espetáculo de gala.
E D. Julia Lopes bem merecia que o público frequentador dos teatros acorresse a prestar-lhe aquela homenagem.
Pelos seus romances, cheios de intensa vida, pelas suas crônicas brilhantes, pelo seu estilo correto, elegante e forte, pela sua maneira “masculina” de tratar os diversos assuntos escolhidos pelo seu belo espírito, pelas ideias nobremente adiantadas que ela defende com desassombro admirável em uma época e em um meio feito de conveniências e de hipocrisias, como o nosso, D. Julia Lopes impôs definitivamente ao nosso mundo literário como um dos espíritos mais representativos da moderna literatura nacional.
É uma escritora talentosa, original e conhecidíssima, mas de um conhecimento que raia com a popularidade.
“Quem não perdoa” é um drama de flagrante atualidade e por isso mesmo o seu enredo gira ao redor de um projeto de adultério.
As cenas sucedem-se com bastante naturalidade.
Sob o aspecto da técnica dramática, é possível que o drama seja suscetível de larga censura, por falta de cenas de maior intensidade.
Isto mesmo, entretanto, compreende-se facilmente em uma peça em que a autora teve a preocupação máxima de apresentar os fatos sob uma luz de exclusiva naturalidade.
Os diversos tipos do drama, como os concebeu e criou a ilustre escritora, são individualidades que todos nós conhecemos, são tipos a cujas casas vamos, com quem conversamos com que tratamos em uma convivência por assim diária.
São por conseguinte individualidades comuns e que a escritora criou com muita fidelidade.
O que era necessário para que fosse completo o triunfo de D. Julia Lopes era que os atores estivessem na altura de compreender e de interpretar fielmente o pensamento da criadora.
Aí é que reside a grande dificuldade, a quase única dificuldade de obter uma peça em cena o mesmo sucesso que obtenha em uma leitura feita em particular. O dramaturgo cria para os artistas, mas estes é que devem criar para o público.
Infelizmente não sucedeu tal com a representação de “Quem não Perdoa”.
É possível que, se D. Julia Lopes tivesse escrito uma dessas impressionantes tragédias da antiga escola, cheia de episódios romanescos e de falas altiloquentes, a imaginação dos atores se ascendesse um pouco e conseguissem eles dar ao público uma ideia pálida e remota da criação da talentosa escritora.
O drama de ontem, porém, era de uma tão grande simplicidade, os seus tipos eram de tal maneira reais, as suas cenas eram tão naturais, que os atores não conseguiram empolgar o sentido, a essência íntima daquela criação dramática.
De maneira que a apreciada escritora fez uma peça “natural” e os atores, pela absoluta incompreensão dos seus papéis e do espírito da peça, transformaram-na em uma coisa lamentavelmente vulgar.
A Sra. Maria falcão teve em Elvira um papel de grande responsabilidade, que ela não pode interpretar.
Durante o primeiro ato, Elvira foi de uma monotonia assombrosa.
A última cena do 2º ato foi mal jogada e a queda foi simplesmente desastrada; todavia, a atriz reabilitou-se um tanto na cena final do 3º ato.
A Sra. Lucilia Peres, no papel de Ilda, muito deixou a desejar.
O seu papel exigia muita vida, muita paixão, toda a paixão que pode conter uma alma insatisfeita. Entretanto, Ilda, ainda nos movimentos de maior intensidade, adocicava a sua vozinha, num “tremolo” de harpa eólia e a cena desenrolava-se fria e sem interesse.
O Sr. A. Ramos fez um Gustavo apenas feroz, quando a escritora teve em mente criar um tipo de homem excessivamente ciumento, sobretudo arrebatado. O Gustavo, que apareceu no palco, a princípio como uma boa pessoa, muito discreto e cordato, surgiu depois como um indivíduo que quase não falava; rugia.
A Sra. Luiza de Oliveira fez com alguma naturalidade o seu papel de Angela. Os demais atores estiveram no mesmo grau que os seus colegas, que acabamos de mencionar, sendo de justiça salientar que o Sr. Ferreira de Souza conseguiu salvar numa barquinha o seu papel de Vieira.
Falemos do guarda-roupa. Este capítulo, que, em alta comédia, é de relevância capital, foi lamentavelmente descurado pela empresa do Municipal. A Sra. Lucilia Peres, por exemplo, que no 1º ato apareceu convenientemente vestida, no 2º exibiu uma túnica de Senhor dos Passos, que era simplesmente pavorosa, quando o seu papel de mulher apaixonada e a sua posição de mulher de um engenheiro, pelo menos arranjado, exigia trajo simples, convenhamos, mas absolutamente, requintadamente elegante.
Os demais atores, com algumas e pequenas modificações, seguiram neste particular as pegadas da Sra. Lucilia Peres.
Antes de falarmos da “moralidade” da peça, cumprimos o doloroso dever de pedir a Angela, que, quando lhe entrarem visitas na sala do seu sobrinho Gustavo, sala de que ela faz as honras, queira tomar-lhes os chapéus, principalmente do pobre Duduca, que não sabia se atenderia ao manuscrito do seu discurso ou ao seu malfadado chapéu.
A peça de D. Julia Lopes não é uma “tese”. A ilustre escritora descreveu apenas um fato possível. Entretanto, o que ressalta do drama, com muita lógica, é o sentimento, pena de talião, da “vingança”, mas da vingança feroz e irredutível.
É certo que a autora não doutrinou semelhante sentimento; mas o denrolar do drama e principalmente o final encarregam-se facilmente de incutir esse sentimento nos ânimos menos preparados para assistirem a essas cenas.
O diálogo do 2º ato, entre Elvira e sua filha Ilda, a quem ela aconselha que, “se por acaso ama a outro homem, deve fazê-lo de maneira que não o suspeite seu marido”, não é positivamente uma doutrina para meninas de quinze anos, mas, enfim, pode existir uma mãe que dê tais conselhos.
É de justiça, entretanto, declarar que a ilustre escritora recebeu os mais francos aplausos.
Depois do 2º e do 3º ato foi chamada à cena, recebendo uma verdadeira ovação da plateia.
Hoje repete-se a peça.




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